Cerimônia das flores
eu era a menina
que todas as tardes
sentava no muro do jardim
e oferecia uma flor
a quem passasse no meu portão
tinha em mãos
um grandioso bouquet
de margaridas
cravos
rosas
violetas
lírios amarelos
e bocas de leão
fossem homens ou mulheres
crianças ou velhos
ricos ou pobres
eu lhes dava uma flor
do meu jardim
e recebia sorrisos
coroados de sol;
alguns, surpreendidos,
não compreendiam de imediato
a singeleza do gesto
e me olhavam atordoados e inquietos
- a flor insistia em minhas mãos
eu era a mensageira das flores
que todas as tardes
sentava no muro de casa
e celebrava a vida com esperança
nada sabia das outras vidas
e isso me fascinava
porque cada uma delas
não era eu
havia uma intensidade
nos seus universos desconhecidos
que me encantava e embevecia
como se inconsciente soubesse
que só me completaria ali: no outro
queria que aquelas mãos desconhecidas
apenas se estendessem para as minhas
e simplesmente recebessem
o que lhes ofertava com alegria
entre mim e o outro
coloquei uma flor:
- ponte e convite
com o passar do tempo
as flores foram se tornando outras coisas
mas a intenção do gesto persistia
a mão gratuita estendida
ofertando possibilidades
(Eunice Mendes)
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