A Garganta da Serpente

Fabio Sorcier

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Maldade I

Sem piedade caem copiosas trevas no mar da escuridão.
Do abismo, terríveis gritando subiram - horrores!
Abalados estão os confins
Das vagas rugiram distantes clarins
E longe, perdidos frenéticos ecoam - tambores!

Azulado está o vinho,
Pensa está a balança.
Qual então, é tua saída?
Soluçando, apavorado e sozinho...
Eis tu em mar banzeiro qual náufrago a flutuar.

As ilhas fugiram e a praia seca e vazia...
Qual amparo nela se achará? Redemoinhos de poeira e devastações!
Eu abençoei as tormentas que dos céus fuzilam trovões
Tingindo nos ares azuis delírios.
E tu, pairando absorto sob violentos ritmos velozes...
Não é senão, um irrisório resquício.

No espaço sombrio, uma gargalhada e uivos de cães.
No assovio das geleiras... se estendeu sublime península ao mar.
As montanhas se liquidaram e as sereias dormem seu sopor.
Ergue-se mais um castelo defasado
Sob o qual enterrei os últimos estigmas do amor.

 

Maldade II

Eu ouvi as palavras da dor
Contemplei flácidas carnes:
"Pensamento puro é meu nome".
Assim beijo a boca do engano...
Passou-se então um ano.
Magia, esperança minha, a vida esvazia.

Sob sóis de prata, mais transmutação!
Múmias infantis são crianças canibais
Do brasido de ossos em carvão
Levantar-se-ão fortes guerreiros infernais
Cujos metais mais potentes forjarão.

Nos jardins dos jasmins nascem flores violáceas
Em cujo néctar virótico minhas flechas intoxiquei
Levanta-te, pois agora titã!
Vinde que não tenho medo...
No meu sonho vi corvos quais fumaças de negrumes...
Esticavam as vísceras do inimigo
E eu num sorriso macabro percebi...
Quão venenosa e cruel é minha feitiçaria!
Ai de ti que não conhece o amanhã
Por que hoje eu apenas espalhei incensos e queimei perfumes!

Este é o limiar, onde as suaves plumas são lâminas ferozes.
Levanta-te contra mim antes que o futuro seja o agora.
Antes que tua postura seja de novo flacidez.
- Eu segui meses a escalar penedias,
Eu corri, corri e perdi a hora;
E agora que resplandeço maldade,
Lanço sobre esta cidade, ruína e escassez.

Eu defasei os montes e os altos
Lancei por terra teus muros, demoli as torres...
E encerrei no cárcere suas almas.
Quem agora te será como auxílio?
Tua prole resta no coxo dos leões
Na lama da alienação rolam teus príncipes
Semeei ódio, terror e desilusões.
E sorri supremo ante tua desolação no grande exílio.

 

Maldade III

Eu sei, emoções e soluços abalam o peito.
Mas onde está minha comoção?
Eu a perdi na derradeira encruzilhada.
Vinde, pois afiadas estão as pontas e abertos estão os grilhões.
Derrotarei tua última legião - crianças ébrias!
Mil sodomitas trêmulos e chorões.

Oh maldade, eu evoquei as alvas cruciantes!
Sob uma lua perversa e um sol amargo.
Que chova acre e torpores embriagantes.
Tóxicos estão os dardos e ardentes estão as lanças.
Porque ainda resistes titã?

Tua semente é como gota que perece no deserto
Tuas virgens logo serão corrompidas
E em breve serão borboletas de Satã
Mas teu único menino persistirá
Para testemunhar sob céus candentes
Tuas carnes carcomidas de vermes
Fervilhando como espantosas serpentes.

Então tua alma se lembrará das blasfêmias e injúrias
Do teu egoísmo qual árvore sobranceira
Afligiu minhas singelas vontades
Mas antes do desprezo volvi a face
E sucumbi sozinho em vil ribanceira...
Da qual ressurgi para tua derrocada

Eis que serena é minha voz...
E minha morada são as brumas de frescor.
Mas sob meu olhar sombrio...
Jaz aluído para sempre teu lumiar
Pois a ira é como miragem de alas negras ceifando com foice atroz.
Uma mágoa me feriu em chagas das quais p'ra sempre verterão...
Sanguinolentas escorrências em cujas margens
Florescem os filhos da perseguição.

(Fabio Sorcier)


voltar última atualização: 26/03/2009
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