A Garganta da Serpente

Fagundes Varella

Luiz Nicolau Fagundes Varella
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EXPIAÇÃO

Quando cansada da vigília insana
Declino a fronte num dormir profundo,
Por que teu nome vem ferir-me o ouvido,
Lembrar-me o tempo que passei no mundo?

Por que teu vulto se levanta airoso,
Ébrio de almejos de volúpia infinda?
E as formas nuas, e ofegante o peito,
No meu retiro vens tentar-me ainda?

Por que me falas de venturas longas?
Por que me apontas um porvir de amores?
E o lume pedes à fogueira extinta?
Doces perfumes a polutas flores?

Não basta ainda essa ignóbil farsa,
Páginas negras que a teus pés compus?
Nem estas fundas, perenais angústias,
Dias sem crenças e serões sem luz?

Não basta o quadro de meus verdes anos,
Manchado, roto, abandonado ao pó?
Nem este exílio, do rumor no centro,
Onde pranteio desprezado e só?

Ah! Não me lembres do passado as cenas!
Nem essa jura desprendida a esmo!
Guardaste a tua? A quantos outros, dize,
A quantos outros não fizeste o mesmo?

A quantos outros, inda os lábios quentes
De ardentes beijos que eu te dera então,
Não apertaste no vazio peito
Entre promessas de eternal paixão?

Oh! Fui um doido que segui teus passos!
Que dei-te, em versos, da beleza a palma!
Mas tudo foi-se! e esse passado negro
Por que sem pena me despertas nalma?

Deixa-me agora repousar tranqüilo!
Deixa-me agora descansar em paz!...
Ai! com teus risos de infernal encanto
Em meu retiro não me tentes mais!


(Fagundes Varella)


voltar última atualização: 23/12/2005
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