Tudo me dói onde não me dói
tudo: a vida e a morte
e os sonhos que passam
pela tinta desta caneta
tudo: o querer e o não querer
o frio da noite
ou o corpo onde não estou
nada me dói onde não me dói
Olha élia se morrer
quando
morrer
não chores triste
nem te alegres com o que imaginas
fuma antes um cigarro
e deixa que os ruídos do bar
te façam esquecer o que não lembras
imagina-me o rasto da ave que não tem
ou
existe
ou o sulco dum barco
lá onde deixei de existir
se cartas houver
queima-as no fogo
que estou sonhando
e deixa que as cinzas
sejam o nexo da memória
que já não é
também quero que saibas
que gostei de estar aí contigo
e que apreciei devidamente
os braços e beijos
que foram antes de ser saudade
e que me senti contente
a caminhar contigo
na cidade que tu sabes
e que quisemos por acaso
sabe também élia
que o álcool não me entusiasma
nem a vida de cafés ou de bares
e por isso os frequento
como frequento o mundo
e porque nada disso me pertence
e porque nada disso também sou
(Fernando Martinho Guimarães)
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