A Garganta da Serpente

Fernando Gregório

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Talvez a noite…

Caiu a noite...e sobre a cidade mais nada senão o silêncio me aparta desta extensão que aparento ser.

Sinto que alguma coisa percorre os distantes edifícios onde as palavras aguardam uma madrugada distante que se repetirá no espaço devoluto de cada cidade.

Sei desta aparente mansidão, talvez a soma de tudo o que foi dito ontem, floresça no aço brilhante deste velho aparelho taciturno.

Corações devorados pela espera e madrugadas distantes, aguardando os momentos propícios, ou uma qualquer e surpreendente redenção.

E depois sempre presente esta nudez escondida sob o lençol do medo, ou mesmo este todo-poderoso respirar das urbes que assolam vagarosamente a alma dos seus criadores.

Calo-me agora, pois nada mais posso dizer sobre estes escombros, sobre os destroços de dias nefastos, repletos de obrigações e de uma diversidade de jogos perniciosos.

Espero.

Será a espera talvez tudo o que me resta.

E se agora escrevo a palavra desolação, é sobre o asfalto que a minha escrita tombará.

E será sempre sobre o asfalto que se escreverão as histórias que eventualmente deslumbrariam os bibliotecários de Alexandria, pela dimensão da sua ruína.

São pois as ruas as Bíblias contemporâneas que esperam os ascetas as meretrizes, os anacoretas e os profetas dos dias de hoje.

Caminho pois como se imprimisse sobre as ruas, o fogo do diário de um sinistro, ou um diário de bordo que escrevesse esse surpreendente ardor que se consome na desesperança daqueles que neste momento iludem o sono.


(Fernando Gregório)


voltar última atualização: 28/02/2009
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