A Garganta da Serpente

Fillipe Mauro

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Diálogos em um Jardim

Rosa, Rosa,
porque não me revelara,
ainda nos tempos em que brotou,
os dissabores ácidos que possuiria
ao desabrochar tua flor?

Por que não adiou o vento
das futilidades do tempo,
ao romper teus botões,
em reverência a uma beleza
esparsa, célere e volátil?

Rosa, Rosa,
corola amarga.
Do teu mel, que tanto bebi,
hoje apenas sinto aroma roto.
E como que envenenado
por esse estranho perfume,
pareço emudecer em um fétido azedume.

Rosa,
porque, tão cruel e aguda,
me tatuara marcas rudas,
fazendo de teus espinhos
armas honoráveis?

Rosa,
flor frondosa,
que a cada queda minha
parece erguer-se mais.
Que é verde enquanto que eu cinzas,
que me esmaga com seu tronco,
que me enlaça em suas raízes,
que se aduba com meus restos.

Rosa, Rosa,
mas às tuas pétalas eu me faço atento.
por mais que me subtraia,
ao último dos dias,
cá estou eu a te mirar,
a te viver.
Louco compulsivo,
absorvo-te ao extremo.

Rosa,
se esqueces que minha ferida
é a sentença de tua ruína,
e de que sem meu peito,
tuas navalhas a mais nada perpassam.
Às ondas de ar se fez esquecer
de que só és tão escarlate
por sorver das veias meu sangue;
e cada vez mais colorida,
por me condenar a escurecer.


(Fillipe Mauro)


voltar última atualização: 27/09/2010
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