A Garganta da Serpente

Gabriel Araújo dos Santos

  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

Sá Mariquinha

Num profundo suspirar,
miro à minha frente um
taquinho de nada do tudo que me
lembram as geléias de mocotó,
quitutes de tempos idos,
e de quando eu saía à cata de
gravetos para formar as
labaredas que lambiam
a bunda preta do enorme
e familiar tacho de cobre.
E a laboriosa Sa Mariquinha,
os cabelos nevoentos e
em coque, cobertos por um fado,
as longas saias se arrastando,
e munida da surrada colher de pau,
mexia e remexia - santa lerdeza!
a mistura pegajosa e plena de sustança!
Bicas de suor lhe inundavam a face,
os óculos embaçados a
lhe caírem nariz abaixo...
- Ajeita aqui, Bié - pedia-me Sa Mariquinha.
De pronto, e na certeza de um agrado
lá ia eu a limpar-lhe as lentes
e ajeitar a peça no rosto encharcado...
E ficava a reparar no seu jeito de ser,
figura inesquecível que de
amor e magia me encheu a vida.
Tão doce, tão doce o seu olhar...
Que hoje não acho nenhuma graça
nas amplas e sofisticadas docerias,
tal a sentida ausência daquele rosto,
saudosa e terna Sá Mariquinha


(Gabriel Araújo dos Santos)


voltar última atualização: 25/07/2006
11443 visitas desde 15/05/2006
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente