A Garganta da Serpente

Georkaeff Wandega

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Negão

Se sai correndo neguinho de pés descalços
E é recriminado na fama de ser ladrão
Se ser julgado sem fato da mente alheia
Perversa que incendeia de ódio seu coração
E subjulgado o inocente vai culpado
Vítima do sistema e da descriminação
Neguinho é encarcerado e torturado
O amigo era boyzinho saiu logo da prisão
Falou ao PM sobre poder aquisitivo
Falou e disse foi só molhar a mão
Enquanto isso neguinho ia aprendendo
Fruto do subproduto da marginalização
Cansou de ser otário e dos maus tratos.
Armou com os colegas reféns, rebelião
Queimou colchões e suas roupas no telhado
Abrindo os olhos para a super-lotação
Alertando que a república é só para a elite
E que o pobre é mau visto as olhos da nação
Neguinho foi pego, foi pra solitária
A tortura era dobrada e entrou em depressão
Começou a ordenar seus pensamentos
Expondo suas idéias com giz e chão
Dizia que Princesa Isabel libertou
Mas não assinou a carteira não
Que a ditadura acabou
Mas que vivemos em constante opressão
E que persistem os preconceitos raciais
Que é burrice todo tipo de descriminação
Negro parado é suspeito
Negro correndo é ladrão
Se fosse branco era atleta
Se fosse índio era invasão
Mas neguinho saiu da cadeia
Trocou de apelido era chamado de Negão
Ficou famoso e foi logo pra tv
Muito mais preocupado com a espetacularização
Mas Negão era muito inteligente
Sabendo se aproveitar do momento e da situação
Fechou contrato com uma gravadora
Expôs suas idéias em forma de canção
Tava na boca do povo
Ideais de liberdade e os direitos de um cidadão
E cantou a história de um neguinho
Que migrou de longe, de um sertão
Sofreu pra chegar até a cidade
Quando no meio do caminho perdeu seu Alazão
Sem teto passou frio e passou fome
Passou necessidade, faltava água, faltou feijão
Disse que a fome no Brasil é um genocídio
Com tanta terra a ponto de produção
QUEM MORRE DE FOME É ASSASSINADO
Vira estatística em números de divulgação
E tudo que nós tínhamos conquistado
Fora vendido pro estrangeiro em liquidação
Publicou que foi preso quando criança
Quando corria pra comprar um pão
Pensou em juntar uma boa grana
Pra ir morar clandestino no Japão
Mesmo pobre adorava o Brasil
E não queria privatizar o anglo-saxão
E preferiu ficar pelo Brasil
Tentando despertar no povo, uma nova visão
Botou pra fora todo seu rancor
Entalados há anos na garganta e coração
E quando menos esperava
Percebeu que causou uma revolução
Despertando a consciência
Que nem todo negro pobre é ladrão
Mas quem nunca apostou no jogo do bicho
Sabendo que é contravenção?
Quem nunca sonegou algum imposto
Sabendo que isso também lesa a nação?
Quem nunca usou da manha, jeitinho ou macete
Com benefício em alguma situação
E que havia conformismo no Brasil!
Pois ninguém prende quem rouba mais de 1 milhão
Estampou o retrato de um sistema
Que nos incita a mais corrupção
Isso incomoda os políticos
A burguesia, a elite e o chefão
Mas o povão, esses não tavam nem aí
E gritavam: Negão! Negão! Negão!
Mas num dia inesperado
Seu corpo foi encontrado no chão
O motivo ninguém sabe
O caso entrou para a lista, a lista da omissão
A polícia não achou nem um culpado
Tv's e jornais mal deram informação
Só uma coisa era certa
Ele era da oposição
Mas o Brasil entrou em luto
Nas escolas, nas ruas, no lixão
Nos carros, nas janelas, nos estádios
Nas favelas, na cidade, no sertão
De norte à sul, de leste à oeste
O povo gritava: Negão! Negão! Negão!
Vítima do sistema, da honra roubada...
Negão! Negão! Negão!
E do caráter de uma nação...

(16/04/2002)


(Georkaeff Wandega)


voltar última atualização: 09/02/2004
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