A Garganta da Serpente

Geraldo Ramiere

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OS ANJOS FUMAM ÓPIO

Quem suportará o silêncio quando for gasto o derradeiro sonho?
Cadáveres de sentidos ocupam vazios espaços entre palavras
A lágrima que rói os olhos também umedece a lástima
Nenhum instante foi nem será nosso do começo ao fim
Devorados filhos do tempo somos o que esquecemos
Fazendo do entorpecimento único alívio e último resgate
Em artificiais paraísos sobrevivemos por toda mortalidade

Dos vazios céus caem desilusões em forma de chuva
A tempestade derreteu outro ídolo e mais um mistério
Símbolos costuramos como colchas de retalhos para nos aquecer
Nauseados pelas metamorfoses confundimos fome com embriaguez
Sobre cacos de espelhos bailamos descalços e mascarados
Esmigalharam a pureza para que não reconhecermos sua face
Em cada gesto existe um mito, em cada mito o poder
De toda angústia nascerá um novo monstro alado
Céu e inferno estão contidos na infinitude de um riso
Enquanto deuses nascem e morrem outro dia deixa suas marcas

Escondidos sob sombras de prédios ignoramos a carnificina diária
Assassinos de nós mesmos agora adorando divindades de plástico e metal
Todas as gerações foram perdidas e aqui estamos sem idade ou razão
Tão velhos por sermos tão jovens, catando pedaços do que nunca fomos
Nós! Amantes do veneno! Inventando um eterno na superficialidade!
Lâminas aumentam o sangue. Cordas esgotam o ar. Outro tiro no peito...
Prisioneiros da insônia condenamos o cansaço alheio com dedos de indignação
Até quando insistiremos em ser nossos próprios juízes e carrascos?
Ninguém saberá que sentia o coração que de tão acelerado não quis mais bater
Corpos se despedaçam no concreto, e o que temos são as mesmas desculpas
Nossos diamantes se desfazem no vácuo, e o que nos resta é o adeus
Continuamos sozinhos, e de todas as overdoses a pior é a de solidão

Eis a chave escondida no meio de serpentes e navalhas
Que medo escolherá agora para novamente se proteger?
Mesmo que nossas asas derretam o importante é conhecer o sabor do sol
Mas antes feche a caixa para que não sai o maior dos males: a Esperança

E cego pela luz obscura das minhas noites em claro
Eu vi o bem e o mal fazendo amor num jardim

(Geraldo Ramiere)


voltar última atualização: 23/04/2004
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