A Garganta da Serpente

Isabela Mendes

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Eles todos se comendo, se devorando
Eles todos se amando com cérebros,
Com seus bons gostos
Com suas palavras bem desenhadas
Eles todos se violentando com seus desejos
Talvez não seja uma violência
talvez seja a vontade de serem deuses

Queremos ser deuses
"Amar e ser amado é privilégio dos deuses"
Queremos ser deuses
Conseguimos
Mas nem desconfiamos
Que o amor é assim
Não é perfeito
E é por isso mesmo que se chama amor

Não precisa ser perfeito
Só precisa amar
Eu amo a mim mesma
Em cima da mesa
Embaixo da escada
Eu amo a mim mesma
E quero que me amem
Alguém me ama
Me leva pra cama
Eu amo a pessoa
Tudo numa boa
Mas eu quero mais
Sempre queremos mais
Aí nos desesperamos

Queremos coisas diferentes da vida
Queremos coisas diferentes do amor
Não temos que querer nada do amor
O amor nos escolhe
O amor existe dentro de nós
Assim como células e úteros

O amor existe e nos emocionamos
E nos encontramos
E nos devoramos
E nunca estaremos
Pra sempre um do outro
Porque a vida continua
O mundo dá voltas
As vontades mudam
Os desejos ficam
Talvez mudem de lado
Como eu
Talvez hoje mulher
Talvez homem pra sempre

Talvez o amor permaneça
Quem muda somos nós
O mundo nos faz mudar
O próprio amor modifica
Modifica porque existe o tempo
Se o tempo não existisse tudo seria eterno
Tudo seria parado
Tudo seria apenas UMA coisa

Mas não
Somos muitos
Somos muitas coisas
O tempo correndo
As coisas mudando
Eu envelhecendo
O amor me renovando

Onde estão as tristezas?
As revoltas?
Somos deuses e não sabemos
Podemos mudar as coisas
Pra que amor pra sempre?

Tudo muda
Até a surda-muda

Que estupidez
Péssima piada
Autocrítica acirrada

Publicar meus desatinos
Publicar minha verdadeira vida
Essa que me faz olhar as coisas
Pensar as coisas em palavras

Essa que me faz
dar nome às minhas sensações,
meus sentimentos

Se não fosse a palavra
Que seria dessa nossa existência inventada?
Inventamos o amor
Inventamos um jeito de viver
Um modelo a seguir
Eu não sigo modelos
Não me incomodo
Mas incomodo os iguais
Somos todos normais!
Neuróticos e normais
Devassos e normais
Castos e normais

Sou casta também
Como um anjo
Vestida de azul
Como sempre

Pinto o cabelo
Mudo a cor
Química
Visão
Estética
Auto-Estima

Dedos pra que te quero
Pra dizer o que não espero
Que ridículo só pra rimar
Pra fazer justiça com as próprias mãos
Invento minha justiça
Sou boa nessas horas

Amo todos os seres do mundo
Inclusive os homens gays
Inclusive tiranos e reis
Inclusive assassinos e estupradores
Com seus pecados pertubadores
Onde foi que eu errei?
Não sei
Sempre erro

Sempre quebro a cara
Mas porque fico satisfeita quando olho pra trás?
Não sou fracassada
Tenho muito o que fazer
E ao mesmo tempo
Nunca serei obrigada

Talvez não ter filhos faz isso com as "adas"
Bonecas Emílias
Eu não tive filhas
Eu não fui pro sítio
Eu não li Lobato
As santas crianças
Já fui uma delas
Eu sou uma delas
Estou mais pras cadelas
Porque tanto xingamento?
Porque tanto palavrão?
Eu falo mil palavrões
Na verdade devem ser milhões
E agora não quero
Não quero xingar
Verdades bonitas
Também dóem
Palavras bem escritas
Destroem
Do mesmo jeito

As criancinhas cantando em coro
Como odeio os pais das crianças
Deve ser porque odeio os meus
Deve ser porque parece
Que eles fazem e desfazem
os erros das crianças
Será?
Não sei
Nunca me achei uma criança influenciada
Apenas tenho bloqueios
Me sinto abandonada
Não adianta ter raiva do mundo
Nem raiva do pai e da mãe
A verdade é que quero colo toda hora
Ai ai .. porque você não namora?
Fico escolhendo muito
Me dar colo é coisa séria
É "muito pra cabeça"
Bem bem bem
Problemas sentimentais
Todos somos normais
Só rindo pra aturar
Ai.. pipoca de cinema
Ainda não vi aquele filme
To com fome
A poesia acabando
Apenas o bicho homem
(Ou será a bicha mulher?)
instinto de sobrevivência
é tão bom sentir que estou viva
mesmo com você morto
que coisa mais triste
veio a fome e o vazio
será que eu vou ter frio?
Dormir de janela aberta
Uma música maldita na cabeça
Espera que eu já vou dormir


(Isabela Mendes)


voltar última atualização: 22/04/2003
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