A Garganta da Serpente
  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

A FOTO DO QUINTAL

(01/12/2008)

A foto não ganhou o prêmio,
Embora merece-se, se os analistas,
Não ficassem dizendo, que seu conteúdo
Era simples demais. Eram sim sem frescuras, que precisem
De tradução, para entender.

Imagine o que se registrou nas lentes
Da maquina digital,
Quatro meninos, descalços, sem camisa
E de shorts, rabiscavam no chão de terra,
Um brinquedo, algo que pediam a papai Noel.

Os guris, eram pretinhos e nunca
Viram um carrinho elétrico
As brincadeiras eram assim, na imaginação
Onde os instrumentos do brincar, nasciam
Do papelão, do bambu, do pedaço de pedra.

O ambiente, cheirava a poeira
As casas não eram de sapé, mas de madeira,
Não se comia filé mignon. Alias carne era raro,
A luta para não morrer de fome, era maior,
Do que sonhar, fantasiar o mundo.

Mas os neguinhos, ainda podiam lançar-se
As aventuras de um mundo que podia
E devia ser deles também.
E dava lhes naqueles rabiscos
Desenhos de coisas que gostariam de ter.

E aí, chove roteiros de Histórias,
Como o dia que os quatro, irão
Para escola e não precisaram mais trabalhar,
Ou quando nenhum colega será soldado
Do trafico ou roubará para ter o tênis da hora.

Quem sonha, nunca perde nada,
E ficava o fotografo, a observar
Os traços, na areia daquele quintal
De repente surge, uma figura, majestosa
Como um Rei Africano, irradiava alegria e travessuras.

Uma leve discussão, iniciou-se entre os quatro
Todos queriam ser o Reizinho, o pequeno Imperador
Mas aí, surgiu, como sempre surge, o bom senso de criança.
"A gente faz mais três príncipes, cada um fica com uma parte,
Do terrão, ele é grande e precisa de mais gente, pra reinar".

As lagrimas caiam devagar, na face do velho fotografo
Que já viu quase tudo na vida.
Gente morrendo, de todas as formas,
Gente humilhada por causa da cor, inclusive ele,
Gente que pensa que é Deus, mas age como um monstro.

Mas algo como aquilo, apesar de ver sempre,
Nunca lhe tocou tanto. Pensou como o mundo
Era torto, sem graça e cruel. Mas as vezes,
Pregava peças, como esta, bacuris, que nunca
Viram o mar, sonhando com o paraíso.

Limpou os olhos, bateu mais duas ou três imagens
Viu que eles tinham desenhado, um banquete no Reino
Das oportunidades e possibilidades. Na mesa grande,
Tinha de tudo: negro, amarelo, branco, vermelho. E pra comer,
Feijão de corda, arroz carreteiro, comida de todos os povos em abundancia.

Veio abaixo, o retratista do século XXI,
Lembrou-se de como deve ter se sentido o profissional
Da foto nas minas de carvão da Europa no Século XIX
Quando crianças de 06 anos, trabalhavam e morriam
Naquele inferno e hoje......ora hoje não é diferente.

Guardou a máquina na bolsa, surrada de tanto
Andar pra cá e pra lá
Teve a certeza de algumas coisas,
Entre elas, de que o sonho de criança,
Não é luxuoso, nem glamorouso.
É simples e ao mesmo tempo mágico,
Faz milagres e revolução.

(OBS: TEXTO DEDICADO AS CRIANÇAS ANÔNIMAS, QUE UM DIA O FOTOGRAFO JOÃO BATISTA ANTHERO, REGISTROU NO ERNESTO KULH. ESTE POEMA/CRÔNICA É PARA ELE TAMBÉM.)


(Janjão)


voltar última atualização: 16/05/2017
11952 visitas desde 14/11/2007

Poemas deste autor:

Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente