A Garganta da Serpente

José Carlos Brandão

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O PROFETA DO VENTO

Deus guia a minha mão
Deus guia as minhas palavras
Deus guia as minhas asas.

Vôo na cúpula do templo com as barbas brancas ao vento
cantando as litanias do esquecimento.

Deus estuda os meus ossos
Deus estuda os meus ossos pálidos.
Eu estudo a beleza antiga e nova de Deus nos meus ossos pálidos.

Você orava ante os meus ossos
você celebrava a memória e celebrava o esquecimento
ante os meus ossos.

Fui banido da vida.
Comendo a areia do deserto, comendo o pó dos ossos
sou profeta do vento
e das serpentes aflitas.
Deus é a minha voz calada, a minha língua decepada.

Deus é a rosa sobre os ossos.

Somos herdeiros do trono - feito de ossos
mas sobre os ossos está uma rosa
e a rosa é Deus.

Os séculos caem do relógio com estrondo.
A rosa foi exilada do jardim.

Os olhos cegos concebem a face única.
Ouçam o pássaro
ouçam o tempo
ouçam o vento da palavra.

Ouçam o verbo da rosa.

No deserto, na montanha, na ilha
a rosa como um pássaro canta sobre a pedra.

A borda do poço ainda guarda as marcas dos meus dedos.
A água guarda a minha face.
Os meus olhos cegos passeiam no escuro.

O mar vem dar à praia.
O mar vai se distanciando, até o alto-mar, até o eterno.
O mar leva a rosa até o eterno.

A rosa é a forma do eterno.

Sentado numa pedra
sentado na pedra do tempo
sou o profeta do vento.

Sou o oleiro moldando na argila
o esquecimento.


(José Carlos Brandão)


voltar última atualização: 27/06/2007
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