Sobre uma amiga
Ela tinha aquele ar nas respostas que não se entregavam à minha
dor, palavras que, num amor aparentemente perdido pela distância, à
época cravejaram na minha alma com a força da amizade pura e duramente
sincera exigida pelos momentos extremos de minha perdição.
Quando nos conhecemos no térreo vazio do prédio, ela era a perdida
encontrada pela minha necessidade por afeição.
Nos dirigíamos à mesma sala: aula para ela, jaula para mim.
Logo na primeira festa lhe mostrei todo o meu caráter e minha falta de
razão - no entanto, talvez exagerada, mas enfim, ela sempre fora mais
do que "gostosinha" - mas eu voltei no ônibus em que conheci
outras mulheres das quais, mais além, não recordaria senão
pelos seus chamados estrangeiros...
Talentosamente doce, aquela guriazinha de longos cabelos negros sabia respeitar
minhas dificuldades, bem como problematizar minhas emoções mais
profundas, buscando-me, com humanidade, para a luz.
Quando eu a decepcionei demais, me deixou rispidamente a balbuciar meus delírios
fétidos para o seu efêmero e consistente adeus.
Então, eu resolvi matar os caracóis em meu terreno venturoso e
frutífero e, com o meu sorriso novo, ela, afoita, me elogiou com seu
ar surpreso.
Mesmo assim, prossegui vagabundo procurando edificar-me com paixões loucas
e platônicas que, ao cabo, levaram-me, outra vez, aos seus conselhos e
carraspanas inestimáveis.
Quando não me reconhecia mais nas manhãs sujas de nicotina semeando
um cancro, depois estancado, arremessando-me a sede que a terra me concedeu
como castigo, e nas quais acordar era um pesadelo e um pesar, arranquei minha
mente da geena e me dediquei a informar-lhe de minha retirada para, depois,
voltar à humanidade perdida por garrafas, choros, vômitos, violência,
desprazer, autocomiseração, empatia doentia, entre tantas outras
desgraças sustentadas com empáfia.
Poesia ambulante...
Relíquia de Deus...
Amor universal nas entranhas...
Saudades dos momentos que o coração não cobrou, mas corroborou
- árdua e ternamente - caudaloso.
(João Cony)
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