A Garganta da Serpente

João Cony

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A sutileza da névoa

Quero reencontrar a paz, um movimento que faça minha vida estagnada acelerar.
Não sei o que sou, porque vim...
Efêmero gás tóxico que me desperta e me amortece.
O sangue corre por dentro e, por fora, latejo como uma bomba em contagem regressiva.
Preciso do estudo do tempo a me fazer adulto.
Careço de decisão, mas tranco-me no quarto e desminto o toque vassalo com meus pensamentos.
Deus: meu coração é um só e ele dói...
Eu me grudo ao corpo dela e não a deixo respirar.
Eu não confio em ninguém e em nada mais acredito.
Os sonhos de construir uma família, de fazer ao redor de mim uma corrente de paz e amor, de ser o centro das atenções acabaram.
Eu estou velho.
Não quero julgar meus pensamentos.
Pego a flor em seus olhos negros.
Longínquo, atiro-a ao rio poluído e afogo o seu amor.
Influenciado pela idéia de morte, concretizo apenas confraternizando de minha mais penosa inércia.
Apaixonado vagabundo, me transformo sem o filho que não veio, sem o afeto que necessito sempre exacerbado.
Dos sonhos que tive, apaguei como se desfecha uma baforada.
Habito um corpo sem alma.
Onde está o laço que une?
Vacilo no andar de olhar profundo para meus pés que nunca me levaram.
Transito pela sua vila procurando o seu discurso que me faz agir.
Tenho medo de morrer sem presentear a mim mesmo com a ventura.
Estralo meus dedos.
Estrelo só, como um senhor mudo se sufoca na multidão.
Casualmente, vem a sorte.
O trabalho está me esperando e eu durmo como quem apenas sonha acordado.
Vou ao declínio anônimo sem reconhecer minhas potencialidades.
Não quero falar de amor.
A empatia é tudo o que me resta.
Traduzo minhas ações para um espelho no qual um dia algo vi.
Sinto-me envergonhado por não entender como não fui um líder para viver de um sonho...
De cá para lá, absorvo minha alma em frangalhos e dou o tom a um surdo.
Passo matizes ao pintor de rua urbana e ele chora ao enquadrar minha face em sua tela.
Eu sou a vítima e o carrasco num tempo em que todos se engolem.
O presente é passado há muito.
O futuro, desconheço.
Não sei ser vivo e não permito viver.
Charlie Chaplin que me perdoe do picadeiro celestial.
Ninguém me entende, pois eu não sei me explicar...


(João Cony)


voltar última atualização: 17/07/2009
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