A Garganta da Serpente

João Cony

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Um sonho sem sono

Dormi com a cabeça sobre teu seio.
As batidas do teu coração me ensurdeciam.
O meu coração procurava teus olhos,
mas só achou a estranheza desse mundo não meu.
Acordei de um sonho ruim que todos os sentidos foram deslocados.
Tateei ao meu redor e não estavas naquela noite longa sobre a nossa cama de vidro.
Pisquei para achar teu vulto no escuro dos teus olhos coloridos
e o esforço foi tamanho que lacrimejei.
Agucei os ouvidos para perceber tua voz vibrando no quarto,
mas ela só sussurrava em minha memória.
Farejei como um lobo procura a satisfação de acolher na boca a carne
que lhe falta para viver.
Boca que, no desvio da madrugada acesa, não trocou saliva,
mas uivou para um céu sem luar até que o segredo de um satélite
entornou o crepúsculo sobre meu coração, outra vez não te tendo,
mas agora, não te contendo, deixaste as pistas no ar que não se vê,
não tem gosto, não tem cheiro, não tem onda sonora
e não se toca: mesmo na ausência de ter-te, me amavas.


(João Cony)


voltar última atualização: 17/07/2009
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