Duzentas mortes
Os pássaros que constroem seus ninhos - multicoloridos - nos meus cabelos,
que voam rasantes sobre minhas sete cabeças,
cantam tão alto, mas tão alto, que chegam aos gritos
e, aos gritos, não consigo mais ouvi-los.
O asilo onde meus pássaros me enfiaram desde a semana passada
cerca meus olhos, ouvidos e nariz do mundo lá fora,
mata a reles esperança que habita meus últimos dois sentidos.
Não há saída: só o esqueleto de Itamar Assumpção
no viaduto.
Morro. Aprendi a morrer duzentas vezes desde a semana passada.
Morro. Minha mãe me esqueceu entre os pássaros - ela, triste, e
meu triste pai.
Não vejo os quintais da minha mais tenra idade de pedra.
Não ouço o som das melodias de minha infância distante.
Não sinto o - doce - perfume das flores que plantei aos cinco anos.
É ruim - e dói bem fundo - a insensatez chegada ainda tão
cedo.
É ruim - e cai aos meus pés - a imensa saudade de algum lugar
onde todos nós - e os pássaros - vivemos felizes algum dia, eternamente.
(José Rocha)
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