A Garganta da Serpente

Kátia Drummond

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ADEUS, LISBOA

É tempo de deixar-te a sós, Lisboa.
De abraçar-te, num adeus final.
Qual pássaro cinzento, anjo à-toa,
que abre as asas quebradas e voa...
até cair no volumoso Tejo,
em doloroso ato terminal.

Bem sabes tu, Lisboa, que, na vida,
ave perdida não escolhe a sorte.
Apenas abre as suas asas… voa...
Além fronteira, segue sem destino.
E, de tanto voar a vida inteira,
acaba por traçar a própria morte.

Ainda hei de voltar-te. Não sei quando.
E, num extremo gesto de alma pura,
acariciar-te, desvendar-te inteira.
Cruzar-te, uma a uma, as velhas ruas.
E como fazem as mulheres nuas,
guardar-te no meu corpo com ternura.

Ah... Lisboa... Lisboa... se soubesses
o quanto te amei, e ainda te amo,
tu não deixavas que me acorrentassem
e me quebrassem as delicadas asas.
E, num só tempo, como fazem as damas,
proclamava-me o amor que hora reclamo.

Depois de mim, eu sei, outras virão.
Todas de ti tornar-se-ão amantes.
Algumas beijarão os teus cabelos.
As outras, deitarão sobre os teus ombros.
Mas nenhuma delas, em teus escombros,
beijar-te-á os seios agonizantes.

Entre o nó na garganta e a dor no peito,
despeço-me de ti, bela cidade!
Deixo-te o brado vivo do poeta,
o grito do "quilombo" em liberdade.
Mas... levo a dor dos fados brasileiros,
e um coração morrendo de saudade.

(Sintra, Portugal)


(Kátia Drummond)


voltar última atualização: 30/12/2009
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