A Garganta da Serpente

Leo Sliwak

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Vernáculo Paralelo

O ósculo que hoje recebo na cara,
é o beijo obscuro que a tudo mascara.
O amplexo que se diz eterno,
nem de longe é o abraço materno.

O pranto que jorra neste intenso caudal,
mais parecendo um instinto animal,
já foi a lágrima que um dia sincera,
escapou sorrateira por uma quimera.

O músculo cardíaco de alta pressão,
que dia após dia o sangue bombeia,
outrora no peito já foi coração,
quando era o amor que corria na veia.

Cérebro que comanda o raciocínio.
Núcleo do certo, do justo e da razão,
era a cabeça que não tinha domínio
onde havia dúvida, incerteza e paixão.

Terminal do membro superior,
que comanda o trabalho e que manda parar.
Um dia perdido no tempo, foi a mão de acariciar
que também já entregou o amor.

A boca que antes comia, falava e cantava,
agora xinga, blasfema e se cala,
cuspindo onde antes beijava,
pregando onde hoje não fala.

As pernas cansadas de agora,
já foram os membros mais fortes
de um corpo sadio de outrora
de um ser esquecido da sorte.

O óbito dorido então foi lavrado
trazendo afinal o sepulcro esperado.
Enfim era a chegada da morte,
dos humanos a eterna consorte.

Brota então do vernáculo maldito
O nome do Deus Bendito,
que nos tempos de matéria
nos ocorria só na miséria.

O silêncio é agora profundo.
Cérebros e corações já não existem.
Olhos, bocas e mãos não mais fazem sentido,
Nem mesmo me lembro do mundo,
ouço apenas ao longe o réquiem
das exéquias de um corpo exaurido.

Agora o vernáculo se inverte,
O abraço é de novo fraterno,
o amplexo então é inerte.
O beijo novamente é eterno,
e o ósculo que ali abomino
perdeu totalmente o fascínio.

Aqui somos todos iguais
sem ósculos, amplexos ou matérias,
sem cobiças que nos mascare,
sem diferenças, nem raciais,
sem ócios, ódios ou misérias
até que a vida nos separe.


(Leo Sliwak)


voltar última atualização: 10/05/2007
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