Astarte
Por que tanto me encanta o céu?
Valioso e cromático etéreo véu,
Desprenda seus gases em algodão,
Desenha as ondas em turbilhão
Mas o que é senão o fundo duma nuvem
O misto de cores quentes e frias?
Formam-se num esboço de miragem
Gasosas, macias, intocáveis estrias
O condensar de sua sutileza
Traz-me o frio e a incerteza;
A chuva faz-me enlevar,
Entona a mágoa de se olvidar.
Mas o que é o céu senão reflexos
De emoções ardis como amplexos?
Deleita humanos e lobos perdidos,
Uivando à lua seus pedidos
Não me cansa observar a mesma cena,
Até o crepúsculo, enfim, acena -
É o movimento dos ventos pelas nuvens
É a dança das verdejantes penugens.
E quando chega a noite, cobre-me o relento,
Passam-se as horas em um minuto tão lento
Observo as estrelas piscarem vermelhas e azuis,
Estranhas constelações que de tão distante se reluz
É o frio que me congela num céu tão idêntico,
De várias dispersas purpurinas de luz passional
Faz-me sentir sentimento autêntico,
Faz-me imaginar-me tão pequena e abissal.
Poderia deitar-me pelo resto da vida
sobre essa gelada e turva relva, aturdida
Pois completa minha existência tal beleza
Provinda somente da tão oculta natureza
Viajaria pela mais colossal das espirais,
Queimaria-me ao tocar n'alma d'uma estrela,
Mas conheceria, com certeza, a mim mesma mais
Queimando, minha alma, na essência, para abstê-la.
Sofro da impossibilidade, do presídio da carne.
A mais rica e bela raça, humana, dá-me parte
Fraca e incabível à vontade de alcançar
O mais distante delírio possível de se realizar
Sou humana, criança, adulta e adolescente,
De sonhos e de metas, inconseqüente, eloqüente,
Prossigo num erro pelas estradas das loucuras
E entrego-me ao desvario de conterrânea das alturas
Jogo minha quimera ao céu, esperando-o que lhe acolha
E que entenda, meu dilema, minha paixão, numa folha
Com versos mal rimados, manuscritos e descompassados,
Mas de intensidade e de valores por mim estimados.
(Lidia Zuin)
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