Desígnios Terceiros
ACORDO,
as luzes vívidas deflorando-me a retina
carne, carbono, linho.
morrendo.
eu, capital humano
de cujas mãos toda labuta não me nutre
em cujas células repousa uma fagulha
de existência alguma.
estrangeiro de meu ser, LEVANTO.
não cabe chorar, não resta sentido no rastro de lágrimas.
engulo carne e grãos. morrendo.
me lavo e me visto e me faço apresentável
e sigo morrendo.
encontro fantasmas mirrados
alimentando no fundo de seus estômagos
um verme de esperança e medo.
e como sintoma de uma aguda miopia
o sorriso lhes corta a face:
ardil perverso
a pretexto de ostentar as presas.
-vejam estas 32 pérolas de cinismo esmaltado,marfim amargo entre
os lábios entreabertos.
triste ver um riso opaco, sem eco de razão que o legitime.
mas ainda sobre pernas, pele, cabelo e vísceras, SIGO.
caminho entre coisas da civilização,
e sinto-me um macaco, cada dia mais.
chego a meu destino, cemitério de objetos funcionais
e objeto-me em função de anseios outros,
desígnios terceiros, alheios aos meus.
a certeza do final do dia,
o amor que se renova como apêndice de um roteiro
em que seres se debatem cegos.
consumir e sumir consumir e sumir consumir e sumir consumir e sumir
beba, compre, venha, creia,
não perca, não pise, viva o melhor.
imperativos
como bocas a nos engolir completamente.
nada mais é livre de gerar receita:
sentimentos a granel, em tantas vezes sem juros.
em meio a este árido mercado de emoções,
volto para casa, morrendo, ciente de que contribuí
para a manutenção da propriedade.
em silêncio.
(Macabeu Samsa)
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