MONTE ALVERNE
AO PADRE MESTRE A. J. DA SILVEIRA SARMENTO
Morreu! - Assim baqueia a estátua erguida
No alto do pedestal;
Assim o cedro das florestas virgens
Cai pelo embate do corcel dos ventos
Na hora do temporal.
Morreu ! - Fechou-se o pórtico sublime
De um paço secular;
Da mocidade a romaria augusta
Amanhã ante as pálidas ruínas
Há de vir meditar!
Tinha na fronte de profeta ungido
A inspiração do céu.
Pela escada do púlpito moderno
Subiu outrora festival mancebo
E Bossuet desceu!
Ah! que perdeste num só homem, claustro!
Era uma augusta voz;
Quando essa boca divinal se abria,
Mais viva a crença dissipava na alma
Uma dúvida atroz!
Era tempo? - a argila se alquebrava
Num áspero crisol;
Corrido o véu pelos cansados olhos
Nem via o sol que lhe contava os dias,
Ele - fecundo sol!
A doença o prendia ao leito infausto
Da derradeira dor;
A terra reclamava o que era terra,
E o gelo dos invernos coroava
A fronte do orador.
Mas lá dentro o espírito fervente
Era como um fanal;
Não, não dormia nesse régio crânio
A alma gentil do Cícero dos púlpitos,
- Cuidadosa Vestal!
Era tempo! - O romeiro do deserto
Pára um dia também;
E ante a cidade que almejou por anos
Desdobra um riso nos doridos lábios,
Descansa e passa além!
Caíste! - Mas foi só a argila, o vaso,
Que o tempo derrubou;
Não todo à essa foi teu vulto olímpico;
Como deixa o cometa uma áurea cauda,
A lembrança ficou!
O que hoje resta era a terrena púrpura
Daquele gênio-rei;
A alma voou ao seio do infinito,
Voltou à pátria das divinas glórias
O apóstolo da lei.
Pátria, curva os joelhos ante esses restos
Do orador imortal!
Por esses lábios não falava um homem,
Era uma geração, um século inteiro,
Grande, monumental!
Morreu! - Assim baqueia a estátua erguida
No alto do pedestal;
Assim o cedro das florestas virgens
Cai pelo embate do corcel dos ventos
Na hora do temporal!
(1858)
(Machado de Assis)
|