GABRIEL

Gabriel, menino
Me ouve um pouco agora
Enquanto preparo a mesa, faz sala às visitas
Diz-lhes graçolas, fala do tempo, futebol
Essas coisas
Vê se entende, enquanto trabalho
Penso em Deus e na bíblia nova que comprei
Enquanto trabalho, estou aqui, e só aqui mesmo
Por isso e aquilo, vai na frente, abrindo trilhas
Que eu não tenha medo de pisar,
Vai cantando que eu sigo atrás, te fazendo sombra
Olha, nada do que eu diga ou faça, faz diferença
Nenhuma palavra, na verdade, fará a diferença
Serei, e também você Gabriel, só mais um
Daí que é importante, que você consiga entreter o mundo
Daí que é importante, que você se achegue às visitas e sussurre baixinho:
Karakorum, Pentapolim babasuarom, jabberwocky, estas coisas
Ou então: "lucro com teu desandar, sabia?", ou "Deus, enquanto a mesa é
Preparada, eu silenciosamente espero com uma oração para o teu deleite,
E silenciosamente te preparo um coração, manso na calma e denso na solidão,
De modo que sejas agradavelmente surpreendido", algo assim, entendeu Gabriel?
E assim, com pressa pouca, escorregando com sabedoria,
Poderemos ir seguindo, ao ritmo prazeroso do frango que preparo
Frango aliás que poderás comer mais tarde, tu e tua mãe,
Tua mãe aliás (sei que você sabe), a quem falta paciência
Embora tenha de sobejo inúmeros outros confeitos, em forma de virtudes
De qualquer modo, estaremos eu e você meu Gabriel,
Prudentemente planejando um domingo, daqueles sabe?
Densos e policromáticos, recheados de promessas,
Algo feito sólido, com a qualidade necessária para que possamos,
Como direi? Empurrá-lo, sem pressa, para uma correta segunda-feira
Mais alguma coisa? Ah, sim
Diz à tua mãe que me traga aquele livro,
É, sobre Espinoza, o Benedito,
Para que possa ler mais uma vez e me perder
Naquela poesia de Machado
Sem esquecer o Borges, não é
Vê como é bonito? Um pouco demais, concordo,
Mas fará bem ao meu e ao teu coração
Podemos começar.

Gabriel

Gabriel, de quanto precisas
Para o encantamento?

Olha, eu tenho quase todos os ingredientes

Gabriel

Gabriel, diz bem rápido: poliflor Agora tó, um janeiro procê
Dentro desse dragão de 2000
Feito isso, pode voltar a dormir
Enquanto eu papeio com Deus
E acerto com ele os detalhes da festa
É poliflor, Gabriel, sente o cheiro
Depois, É só pensar
E deixar o sol perder a paciência

(Marcos de Farias)