A Garganta da Serpente

Mariano da Rosa

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Fome

Oh! Que dor é esta - tão profunda e tão grande,
Que incontida faz-se maior até que a morte...
Que inconsolável, o pranto do choro extingue...
Da pele ao sangue absorvendo - da carne aos ossos...
Na autofagia que consome a vida orgânica
- Da existência extorquindo a substância divina:
Do olhar, a luz; da voz, o som; do corpo, a imagem!

Que dor é esta (Que irremediável sorte!)...
Que hereditária o sofrer de uma prole impõe,
Mumificando desde o velho até o infante
Na sepultura de um barraco improvisado!
Que incurável dor é esta que anestesia
- Letárgica, contagiosa, fatalística...
Que ao acaso agônico um destino escraviza!

Que dor é esta que famélica lateja,
Parecendo até uma anomalia ingênita,
Mais do que grave sintoma de anorexia
Ou do que um grito de medo, e aversão, e espanto,
Diante de uma realidade despótica
Que imuniza alguns de uma funesta doença,
Condenando tantos à máxima sentença!

Que dor é esta que qualquer consolo esgota...
Que qualquer alívio imediato despreza...
Que ignora do afeto materno ao instinto onírico,
Não desejando senão o produto lácteo
Que moribundo dos seios secos goteja,
No último fio de esperança que esvai (...),
P'ra quem o barro cozido é um biscoito!!!

Oh! Que dor é esta que transcende a razão,
Que submerge o espírito, que subverte a vida,
Que subjuga o amor de Deus à sobrevivência?!...
Que dor é esta que a semente sacraliza,
Que santifica o pão, que a criatura humilha,
Antes de gradualmente, enfim, destruí-la (!)
- De um lamento, acorde: que dor (!), que dó (!), que sina (!)?!!!

Que dor é esta que vítimas multiplica,
Que amenizar nenhuma política pode,
Que erradicar nenhum governo é capaz...
Que se prolifera como uma epidemia,
Na periferia das cidades urbanas,
Não mais sendo exclusividade de uma raça?!...
(Mas em qualquer pátria punição de uma casta!)

Que dor é esta senão a dor da fome,
Que mais do que acusar do pão a privação,
Como ausência de fraternidade revela-se,
P'ra quem ser pobre é mais do que não ter tudo
- É não ter nada, é existir como um número
Na estatística que diagnostica o fenômeno:
Da miséria de uma sociedade - símbolo?!...

Sim, que dor é esta senão a dor da fome (?!)
- Fome de igualdade, de justiça, de vida (...):
Fo-me-de-es-pe-ran-ça!!! Sim, simplesmente fome!...


(Mariano da Rosa)


voltar última atualização: 06/04/2009
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