A Garganta da Serpente
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o Sonho do cão cativo

"On reconnait le degré de civilisation d'un peuple à la manière dont il traite ses animaux" (Gandhi)
(tradução: reconhece-se o grau de civilização dum povo pela maneira como trata os seus animais)

Que sonha o cão na manhã de maio
que sonha triste de alegre viver
que sonha o cão quando a companhia
da voz amiga já não torna ser

Que sonha o cão quando atrás de grades
contempla o céu ainda tão azul
que sonha o cão se desenha os ares
a ave loira dos campos do sul

Que sonha o cão quando a água clara
sabe à prisão que não deixa mais
que sonha o cão se a manhã aclara
ou quando à noite se acende o trovão

Que sonha o cão quando ouve 'inda festas
na melodia do sonhar perdido
que sonha o cão se pelas florestas
vagueia o lobo livre perseguido

Que sonha o cão quando a mão que afaga
o larga vil, num pobre caminho
que sonha o cão a correr a estrada
cheirando o ar do velho carinho

Que sonha o cão quando as aves cantam
a solidão do jardim florido
que sonha o cão se os olhos se espantam
a relembrar o tempo perdido

Que sonha o cão quando a voz que soa
traz à lembrança o seu velho afago
ah como a vida era meiga e boa
quando brincava nas margens dum lago
Que sonha o cão quando o mar exalta
as mil viagens que não mais fará
que sonha o cão quando o medo assalta
pela família que não mais verá

Que sonha o cão quando a hora chega
de repetir o sabor do pão
que sonha ao cão que desassossega
o seu olhar ao ver uma mão

Que sonha o cão quando tristemente
os dias caem sobre sua voz
olhando o longe onde antigamente
era cachorro chamando por nós

Que sonha o cão quando só pressente
a solidão para além do dia
que sonha o cão, com o dono ausente
aquele dono por quem morreria!


(Marilia Gonçalves)


voltar última atualização: 19/05/2017
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