A Garganta da Serpente

MarisaW<

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ENTERRADA POR TRÁS

O que acorda os meus vizinhos
Não é o BUUUM do trovão.
Pois nem mesmo a tempestade
Os arranca de seus ninhos,
Nem lhes abre o coração,
E nem lhes muda a vontade.

O que os assusta e invade
Não são os gritos da rua,
O escândalo desvairado
A rodar pela cidade,
E vai deixando-a nua,
Sob o berro apavorado

Que se ouve nas avenidas
Das sereias da polícia.
Nem é o grito calado
De almas que, constrangidas,
Temendo virar notícia,
Vira um uivo congelado,

Um uivo vil e culpado.
O que excita essa calhorda
E que os expulsa dos leitos,
Num mutismo depravado
E que à rua toda acorda,
É a turba de preconceitos

Que a visão de um par de peitos
Numa espreitada janela,
Atiça, inflama e humilha.
A sanha desses despeitos
Assim que perde a cautela,
Rosna feito uma matilha

Na qual o ódio fervilha
Como vermes ancestrais,
Auto-gerados no medo,
Sem dó de mãe ou de filha,
E instila nesses boçais
O veneno mais azedo.

E aí gera um infeto enredo
Que se desfaz em inveja,
U'a dupla penetração
Que é dura como rochedo,
E empurra essa insana peja
Que desce na contra-mão

E atropela a Razão
Sob o sinal amarelo.
O que acorda os meus vizinhos,
É uma velha e dura mão
Que bate um surdo martelo,
Bate e enfia os seus ferrinhos,

Cravos em forma de anjinhos
Mas que adentram, dolorosos,
Na alma fraca e sensível
Que encontram pelos caminhos
E, aos poucos vão, gangrenosos,
Tecer a mortalha invisível

Da dor mais muda e terrível,
Dor pendular, mas que medra
Feito erva mais daninha,
Torna o meu grito inaudível
E, como um dedo de pedra,
Vai me abrindo, inteirinha…


(MarisaW)


voltar última atualização: 23/09/2005
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