BALADA DO DESERTOR
Na Primavera a guerra prenunciava
Uma nova batalha no Vale dos Mortos
Semelhante como a destruição do Har-Magedon.
Lembrei-me dos inúmeros mutilados,
Volvi meus olhos de poeira e dor,
Para centenas de lares,
Repletos de órfãos famintos,
Onde o fantasma feroz da fome,
Rodava em círculo aquelas moradas.
Amarrei, então, o cadarço da botina,
Salpicado de lama e sangue,
Trilhei pela estrada deserta de minas,
Dando adeus ao "front".
Nada de glorioso me aguardava.
Apenas o pelotão de fuzilamento,
O uniforme rasgado,
Os botões dourados arrancados
E a insígnia tirada à força de meu peito.
Quando descansei ao cair da tarde,
Num rancho à beira da estrada,
Só havia entre os escombros,
Um naco de pão centeio,
Empoeirado na desordem daquela dispensa.
Faltava água para beber,
E o cantil já estava vazio,
E os rios corriam lento em direção ao mar,
Passavam envenenados,
Nada mais podia esperar.
A minha arma vendi num bordel,
E entre putas e rufiões,
Celebrei a minha deserção,
Morri crivado com a minha própria arma,
Naquela madrugada fria
Quando não mais havia um níquel
Para eu gastar.
De que serve um homem hoje em dia,
Somente para morrer,
Somente para matar?
(Miguel Carneiro)
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