A Garganta da Serpente

Miguel Regozijo

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Espaços Ambíguos I

Varanda de mim com vista para o Inferno.
Ornada de plantas expressionistas, cinzas vivas!
Povoada por abutres pálidos, com bicos pintados de vermelho
Da carne fresca debicada vorazmente.
Cálida vista laranja, que inunda o olhar
Planura sólida de fogo, que queima as penas dos viandantes
Que rasga o alento aos corpos que cá se espraiam.

Varanda de mim com vista para o Inferno.
Ar irrespirável, cheio de ausências
Cheio de vácuos onde deveriam habitar palavras, sons.
Azulejos partidos pela raiva dos convidados,
Desbotados de sentimentos, descoloridos pelos olhares.
Copos cheios de nada, marcados por lábios sedentos
Que sorveram o licor de vida lá depositado.

Varanda de mim com vista para o Inferno.
Lugar de espectros fugidios, cheios de mágoa,
Suspiros de gente perdida, nadadores do fogo que avistam.
Atletas da mentira e do egoísmo…gatos audazes!
Olham-me de frente com sorrisos esquecidos de emoção,
Abraçam-me com a convicção dos mortos
E selam beijos ardentes na minha pele couraçada.

Varanda de mim com vista para o Inferno.
Sentimentos agudos, esculpidos por facas sopradas ao vento,
Feridas erguidas por garras refinadas, limadas pelo ódio.
Secas pelo vento agreste, que grita por alguém!
Dores calcadas pelo peso da indiferença das palavras soluçadas.
Varanda lavada pelas lágrimas dos temporários inquilinos,
Ensaboada pela saliva solta na boca seca da senhora encapuçada

Varanda de mim com vista para o Inferno.
Lugar sem grade de apoio para as almas moídas
Habitado pela eminente queda, pelos saltos hesitantes.
Farol extinto para os marinheiros perdidos nas línguas de fogo,
Montanhas pontiagudas, lugares comuns nos olhos vazios dos Homens.
Noite permanente, formada nas cinzas que esvoaçam ao sabor do vento,
Gritos perdidos, gemidos sufocados pela timidez de sentir.


(Miguel Regozijo)


voltar última atualização: 06/04/2009
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