A Garganta da Serpente

Miguel Lucena Filho

  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

Os meus

Sou jantar de mesa farta,
Três noites de forrozada,
Alegria de matuto,
Cantador de embolada,
Sou filho da nuvem cheia
Que concebe a invernada.
Meu companheiro é trovão
Famoso pai da coalhada;
Meu mar é açude velho
Em tempos de enxurrada.

Minha mulher é a lua
A passear pelo céu,
Sem batom, perfume ou ruge,
A roupa somente o véu
Daquela nuvem branquinha
Amiga do menestrel.
Quando o sol está dormindo,
Ela começa saindo
E, sempre a se insinuar,
Acorda os noivos poetas
Para a vida versejar.

O meu filho é o sorriso
Das crianças desprezadas
Quando encontram o paraíso
Nos braços de uma mãe amada.
A ele dou leite e pão
Farinha, cuscuz e pirão
Ribacão e carne assada,
Mesmo que não peça nada.
Imensamente feliz
Eu fico quando ele diz:
- Papai -, e dá uma risada.

A minha família é o povo
Que planta e milho e feijão,
Que acorda às 5 horas
Pro mode ganhar o pão,
Que parece uma sardinha
Espremido em condução,
Pedaço de mamulengo
Caindo da construção;
Que apanha do bandido,
Da polícia e do patrão.
Quem sabe em minha casa um dia
Num sarau de poesia
Vamos ter revolução.

(Luanda, Angola, 10/07/2007)


(Miguel Lucena Filho)


voltar última atualização: 05/09/2006
9516 visitas desde 01/07/2005
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente