A Garganta da Serpente

Mônica Fernandes

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Velhice

Imaginei hoje a doçura de ver partir todos os meus sonhos
Num imenso e pesado navio... Em uma manhã escura de neblina...

Eu sorrindo no porto ao ver sumindo na névoa meus fardos, minhas dores...
O tempo levando tudo que meu coração desejou e que jamais mereceu
Todas as minhas buscas impossíveis, minhas esperanças vãs, minhas ilusões perdidas
As lembranças inventadas, as felicidades vazias, os amores enganados...


O negro navio me libertaria de toda a culpa de querer, de toda a minha vontade...
Libertar-me-ia de tudo que me cegou para as dádivas que recebi,
De todas as possibilidades não concretizadas, de todo o tempo perdido,
De todas as ilusões medíocres, de tudo que necessitei e jamais tive...

Mas, o mais pesado, aquilo que lhe faria ranger o velho casco...
Seria o que alimentou todo o resto, o que me condenou a vida,
Que me aprisionou a alma... O que me sangrou em cada amanhecer...
Estaria em seus porões, sob pesadas correntes... Minha Inocência

E nunca mais em meus dias eu teria que ver sua face terrível sorrindo... Dizendo: "Continue, você vai conseguir!"
Porque apenas ela me manteve acreditando no imensurável peso dos meus sonhos,
Apenas ela alimentou secretamente meus desejos.

Que alegria vê-la partir para todo o sempre!

Voltaria-me triunfante, com um sorriso de quem está livre dos grilhões de uma vida...
Sentaria-me feliz em uma pequena varanda... Esperaria a morte sem medo e sem pressa...
O mesmo vinho seria, então, mais doce e eu sentiria a deliciosa leveza de não ser...

Não ser... Nunca mais...


(Mônica Fernandes)


voltar última atualização: 17/08/2009
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