TRANSMUDAÇÃO
Houve um tempo em mim
em que a solidão, de tão vertiginosa,
parecia submergir na espuma votiva do silêncio.
Tempo em que me cabiam a imobilidade das pedras
e o choro comburente dos jasmins.
É preciso hoje te falar daquele tempo,
quando o que me incandescia, antes do fogo,
era deserto, como o bico feroz do esquecimento,
que, de tanta ausência, fabricava na espera o antitempo.
Mas, como a dor é sempre o parto em movimento,
um dia floresceu em mim o corpo nu da esperança,
como se um adocicado cacho de abelhas
reinventasse, na tristeza, a alegria,
no amor, o alimento.
Foi quando descobri o gosto de tua boca,
tua viçosa luz, essa transmudação!
Só então percebi que as línguas tinham sinos
e que os beijos, além de tudo,
eram crianças trapezistas,
como pequenos anjos bêbados
equilibrados ao som de violinos.
Obrigado, amor, pela doce desordem de tua língua.
Obrigado pela loucura justa dos teus seios.
Por teus beijos - poemas em desespero.
Por tua respiração arfando - terno murmúrio de esperança.
(Nivaldo Lemos)
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