A Garganta da Serpente

Oscar Calixto

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Um Hamlet de mim mesmo

Diante do papel vemos o branco
O mesmo que nossa alma prospera
O Branco dos sentimentos que é quimera

O desafio é escrever a primeira linha de um verso
Diante do papel, por horas fiquemos imersos
Sem nada dizer, sem nada fazer, apenas olhando e dizendo:
Ser ou não ser.

Onde foste, inspiração? Onde estás, oh, ilusão?
Morreste no lago junto com Ophelia,
Ou foste abarrancada, ferida e machucada com os dardos do meu desencanto?

Como dizer é verdade quando tudo em nós é só questão?
Como dizer versos profundos e cheios de encantos
Quando nenhuma palavra toma brilho ao sobrepor uma página em branco?
Como dizer que sim, se tudo em nós nos diz que não?

Ser ou não ser, eis a questão!
Afoguemos-nos em nosso sono, pois dizem, com ele, terminamos o pesar do coração e os inúmeros naturais conflitos que constituem a herança da carne!
E diante do conflito, que fim poderia ser mais devotamente desejado?
Morrer... Dormir... Talvez sonhar!

Desejar que o próximo dia esteja próximo, que tudo em volta seja diferente amanhã.
Apagar as marcas de ontem, descartar para sempre o que infligirá negativamente em nosso divã.
Repelindo-nos assim de toda a angústia.
Quem sabe resgatando Ophelia e trazendo com ela de volta toda nossa inspiração.

Estou diante de um papel, que representa nada menos que minha própria vida:
Sou um Hamlet de mim mesmo
Estou diante de palavras que descrevem toda minha ventura
Este ser teatral que age às vezes como animal, quem será? A amargura?
Onde está? Para onde foi? Com quem sumiu?
Refugia-se em si mesmo.

Morrer... Dormir... Talvez sonhar.

E é assim que a consciência o transforma em covarde,
É assim que o primitivo verdor de suas resoluções se debilita na pálida sombra do pensamento
E é assim que as empreitadas de maior alento e importância, com semelhantes reflexões, desviam seu curso e deixam de ter o nome de ação.
Sendo agora o silêncio e apenas ilusão!


(Oscar Calixto)


voltar última atualização: 21/07/2005
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