A Garganta da Serpente

Pam Orbacam

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Os teus olhos não são meus
O teu corpo não é meu
O teu pensamento não é meu.
Somente teu tempo vazio é meu.
O tempo infinito que lhe restou,
Do rumo infeliz que tua vida levou
Porque tu não és feliz
Porque tudo teu olho diz.

Teu afago não é meu
Nem é minha a tua dor
E não é por mim que tu vives
E nem por mim que tu soluças
Porque tua vida se foi
Unida à vida de alguém
Pois nem a teu lado eu estou
E nem é nossa essa cama
Porque tu divides com alguém
Alguém de quem tu não te libertas
Alguém por quem tu choras seco
E lamentas por não possuir
Mas é à sombra do teu corpo
Tu não consegues fugir.

Sou somente o que restou.
Meu apreço, carinho e ventre vazio.
E é com essas sobras que tu sobrevives
Na eterna fogueira que nunca extingue
As lembranças que são teu alento e martírio.
Lembranças do que um dia foi
Fruto do que ainda é.

E é com a esperança de completar teu vácuo
Que tu faz planos mutilados
E é na esperança de recuperar algo
Que tu semeias meu ventre vago
Mas não sou eu quem tu vês
Não sou eu quem tu desejas
Não é meu nome que em teus sonhos
Balbucia... Balbucia...

Não sou eu em quem adentras.
Não é minha essa vagina.
Nem sou eu nessa tela branca
Na qual tu insanamente pintas
O esboço que tua vida se transformou.
Tu encharcas as mãos de tinta
E borra tela, corpo e rosto
Na vã tentativa de colorir tua dor.
Na vã tentativa de dar-me forma e sentido.

Sou seu amor inventivo
Criado por teus dissabores.
Tu és monstro de duas cabeças
Polvo sem tentáculos
Cabeça cheia de sonhos
Vida cheia de nada
Coração fora do peito
Alma em outra alma.

Teu silêncio não cala
O que fala os teus olhos.
E essa dor que eu sinto só
É por respirar a cada segundo
A dor que tu sentes do passado.

E essa minha ferida aberta
É pela veracidade que aclara
A cada segundo que passa
Da angústia que tu vives
Por se alimentar como um abutre
Dos restos que são seus sonhos
E do resto que hoje sou eu.


(Pam Orbacam)


voltar última atualização: 24/04/2008
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