A Garganta da Serpente

Pam Orbacam

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Minha morte

Uma morte sem adeus
Um despertar com alegria
Viajar e ver os meus
Que há tanto eu não via
Quero incensos de canela
Com brasas bem acesas
Bem vermelhas, aquecidas,
E um perfume que abrace
Minha alma adormecida

Uma morte celebrada
Sem jantar à luz de velas.
Insensatas, essas velas.
São esculturas disformes
Monumentos tortuosos
Suscetíveis e abaláveis
Que um simples sopro extingue

No dia em que eu morrer
Os sorrisos são bem vindos
Olhos tristes, bem distantes
Melancolia ausente
Na transição enlouquecida
Desta minha morte vivida

Minha morte, minha gente
É beijo na alma quente
E não na testa dormente.
É na esquina um sorriso
E na lembrança o registro
Das coisas que fiz e disse.
Que sejam ora verdades
Que sejam outrora doidices
Mas que fiquem na memória
De todos aqueles que existem

Castigos ou desafagos
Já não deixam cicatrizes
Diante da alma, invisíveis
Diante da alma, indolentes.
Nesse dia um "até breve"
Sem o porquê de flores mortas
Flores vivas, terei todas
Com aromas delirantes
Beijando minha alma exultante
E raízes essas flores terão
Cravadas firmes no chão
Pelo caminho a seguir
Pés descalços, passos lentos
Um a um, bem devagar.
Rastros não vão deixar
A brisa os guiará
Por caminhos nunca vistos
Então nunca percorridos

Uma morte sem bagagem
Sem malas para a viagem.
Saudade não vai
Saudade não fica
Saudade suicida
No reencontro agendado.
Rancor e arrependimento
Do dito calado
Do feito imperfeito
Não faz mais sentido.
É tempo passado

Um convite aos amigos
Faço questão de fazer
Pra que comemorem comigo
O dia em que eu morrer
Lembrando e soltando risos
De todas as bobagens que fiz
Das verdades que vivi
Das mentiras que excluí
E aos que não gostam de mim
Não tenham o desgaste de vir
O ranço de sua presença
É dispensável aqui

No dia em que eu morrer
De pé quero ficar
De braços abertos estar.
E ao partir quero levar
Uma bolsa e um batom
Dinheiro para o lanche
E trocado pro garçom.
Não há pedágio a pagar
Pois já foi pago aqui
Bem antes de eu partir
Nas falhas que cometi
E nas dores que senti

Sonhos, projetos ficam
Por certo tempo alimentos
Pra corpo de carne finita,
Porém meros enganos
Não fazem parte deste plano
Sem fome e com certeza
Que levarei só leveza
Pra absorver a beleza
De coisas que não conheci
Cheiros que não vi
Cores que não ouvi
Sabores que não vivi
Sons que não senti

Sendo assim, meus amigos
Ouçam bem o que eu digo
Pois antes de tudo isso
Meia hora, ainda fico
Pra brindar, ouvir seus risos
E rir de mim.
Riam comigo!
Depois sairei de fininho
Incenso, bolsa, batom,
Rindo de tudo o que foi
Rindo de como foi
Até o dia em que eu morri.


(Pam Orbacam)


voltar última atualização: 24/04/2008
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