A Garganta da Serpente

Patricia de Cassia Pereira Porto

  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

PULSOS E BACIAS

Precisava hoje de mãos
para amansar a loucura
e amassar o pão
do mesmo fel do joio

de Mãos para romper
em dia as noites que fiz
com doses de beber ventos

Mãos para aquietar o inferno
de memórias quentes
de um volumoso mergulho nos rios
mudados de curso

Mãos lavadas
para tocar o corpo inerte
quase entregue ao prazer
antes de sua morte triste

Mãos
para louvar todos os deuses femininos
que inventei

Para exumar
desencarnar
o ódio
e o riso
E todos os ofícios
da violência
E todos os ossos do limbo
mastigados sobre a mesa

Mãos
para estancar
de dentro o mar
de sangue
a porra toda
a vida doce
a sanha o teto
as carnes

Entre dentes
o fervor vaginal
estupor, o tumor
de intentos e os insetos
os cães famigerando
esfomeando,
farejando: a menina
as laranjas cortadas em quatro,
as flores e os bagaços,
os anjos pendurados
para não sentir dor
para não sofrer dor

nossa senhora,
mãe de todas as rezas matinais
"me livre desse mal"
Do teu manto
desesperanço:
a santa é surda

Mãos de dentro
dentro
onde tudo dói
dói o mais

Crucifica
existir fora

Insistir, pai
dói demais
te parir, pai,
puta merda,
mulher de mim
todos os dias
sem nenhum pau
advento ou luz
só com meus pulsos
tua rinha
teus galos
e as galinhas
que tia Marta mata
tranquila
nas bacias

Doeu tanto existir, pai


(Patricia de Cassia Pereira Porto)


voltar última atualização: 19/04/2011
4225 visitas desde 19/04/2011

Poemas desta autora:

Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente