A Garganta da Serpente

Paulo Roberto Ferreira

  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

Minha Irmã num Retrato

Vejo-te, minha irmã,
Abrir a boca
Sedenta
Por aquele amor
Que nós conhecemos intimamente
Naquela alcova esquecida
De nossa puberdade.

Na boca tua
Suspirava dores
Da minha firme penetração.

Mas antes, ao desejar-te
Deflorar violentamente
Tu me recusavas
Esse prazer.

Nós dois sabíamos
Da dor
Que me fizera sentir.

Você que sorria
Ao meu padecer
De um chorar amargo.

Porém, não sei quem ou o quê
Tramava em oculto
A teia de nosso destino lascivo.

E mais tarde via-te
Sedenta
Da orgia de todos os sexos.

Tua bainha era adequada
Para uma espada.

Espada que com ela
Havia extinguido
Todas as feiticeiras.

Esse sortilégio
Que murmurava
Encantadas palavras
Coube-lhe de reunirmos
Em um leito.

Todos os desejos
De minh'alma
Estavam entranhados
Com a tua
E nós podemos
Dar-se ao luxo - mais uma vez -
De amar-nos.

Meus dedos
Grudavam-te
Na carne.

Meus lábios
Grudavam-te
Nos teus lábios.

Meu gozo
Mesclava-se
Ao teu gozo.

Minha vida
Pulsava
Com tua vida.

Assim,
Nós nos reconhecíamos
Em um prazer
Que nos domava.
A beleza de teus olhos
Gemia em lágrimas.
Bela! De poder
Foder-te.
De fustigar-te o corpo com
Minhas mãos tiranas.

Naqueles dias
Juntos
Em lençóis do amanhecer.
Minha avidez
Em comer a ti
Como um manjar
Entregue àquele
Que fora outorgado
O direito de soberania.

Comer
Teu corpo,
Nutrir minha
Libido.

Minha libido
Clamava a sensualidade
Daqueles dias.

Preenchia teu cheiro
Uma sala escura
De meu peito, pulsando o desejo.

A violência de meu desejo
Era toda a órbita
De um prazer
Que nos insultava.

Meu gozo
Foi ter-te
Agarrada a mim
Pedindo-me
Para cessar.

Cessarei...
Mas não antes de ter extraído
Toda satisfação
Desse aviltamento.

E tu com teu gesto moroso
E teus olhos lassos
Suplicava-me, novamente,
Que eu parasse.

Parei...
Via-a, seu corpo comprimido
A alimentar a última dor.

Minha angústia
Essa de não poder,
Nesse gozo perdurar.

Deixei-te
Para não mais
Aviltar tua sacralidade.

Segui-me,
Louco,
Para encontrar-te
Em outros corpos.

Qual não foi
Meu desespero
Ao saber
Que só havia Tu,
Ninguém mais.

Afligira-me o peito
E supliquei-lhe
Que - por favor,
Voltemos aos nossos jogos secretos!

Minhas súplicas, porém,
Não ancoraram em teu coração,
E o prazer já destronado
Não te regias mais.

Com desdém
Seus olhos
Negavam-me tudo,
- Não!

O universo
Foi-me objeto
De ira.

A ermo agredir
A todos aqueles corpos
Que passeavam
Incautos.

Meu último delírio
Foi-me a autoflagelação.
Marcava-me o corpo
Com as dores
Dos antigos mártires,
Daqueles santos
Que almejavam suprimir o desejo.

Depois, a fantasia minha
Pôde deslizar, delicadamente,
Sobre tua pele.

E só ela era que suspirava
E forjava
Mágoas.

Mágoas, de sonhar-te
Sempre longe
E de está distante para uma ofensa.

Mas não resistiria mais
A, de novo, procurar
Tua face.

Pois, se a encontrava
Era para logo perdê-la
Levada por demônios obscuros.

E, então
O ímpeto
De procurar-te...

Sabia que não mais
Queria-me,
No entanto,
Uma vontade cega
Obsediava-me.

No horizonte
De teu pesadelo íntimo
Eis que surge
Minha imagem.

E a morte te assediava
Com vagas promessas.
As quais, prontamente,
Seduziriam a ti,
Para seu conúbio.

E minha decepção
Junta ao desejo de possuir-te o corpo
Já entregues a fatalidade da vida.

Consumia-me num delírio
Apoderando-me deste
Momento fugidio
De tua alma.

Arriscava-me agora
A sonhar teu corpo vivo.

Mas, eis, que se esculpia
Em uma câmara gélida.

E nesta câmara
Este último átomo aquecido de teu corpo
Já o sentia meu.

(Paulo Roberto Ferreira)


voltar última atualização: 21/09/2008
7071 visitas desde 21/09/2008
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente