A Garganta da Serpente

Paulo Roberto Ferreira

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Ars Erotica

Encontre um corpo sem nome
Na esquina perpendicular à rua distante
De reencontrar.

E as sensações desse corpo
Passam por cavidades abertas
Como fluxo de luz.

Vi-o, num espelho
Visibilidade de um corpo
A refletir
Indefinida coisa.

Olhava-o
Com a cabeça
No sentido contrário
De seu reflexo.

Era uma fenda,
Que por ela sua imagem
Pronunciava-me.

Meus ouvidos,
Cuja posição distorcida,
Seguia a curva
De tuas palavras.

Elas desenhavam
As trilhas pela qual seguíamos.

E, no entanto,
Era somente a mim
Um indizível reflexo
Do meu corpo erótico?

Ou ele comungava
Com aquelas fadas da sacristia
Que ousavam olhar por entre candelabros abertos?

Mais uma vez
Sorria
Para que meu sorriso
Dissolvesse no espaço
Um encantamento secreto
A ligar figuras míticas.

Essas que só se ouvem os cantos
Na primavera quente
De um gramado molhado.

Onde pode deitar-se
Para aquele prazer
Que comunicamos
Com ambos os sexos.

Onde eles cospem
Suas palavras torpes.
Suas palavras líquidas
Suas palavras macias,
E às vezes violentas.

Mas não nos deixemos
Enganar pelo sol
Que sobre nossos corpos,
Somente um pálido reflexo.

Desse calor que o sentimos
No interior de cada célula ativa
De nossa matéria.

Meus passos
Suspendiam
A imagem inversa
Desse corpo.

Num lago oblíquo
Que se expandia por
Entre espaços elípticos.

E como que fragmentos
De um espelho móvel,
Mil rostos cintilavam
Mil reflexos.

Mil sensações nas ondas do prazer.

Nossos corpos já transavam
Com esses rostos antepassados,
Que conviviam conosco
Num céu de redomas
Da figura do Eros.

O universo a nós, em torno,
Ensaiava uma infinita dança
Cujas marcas de suas linhas sensuais
Antecediam ao nosso prazer,
Mas nosso prazer eram já elas.

E elas a música de Eros...

Nós, suas notas, seus passos...

Elas suspendiam sobre nós
Maravilhoso cetro
Sobre nosso lençol líquido,
Que é todo o universo em Eros.

Este cetro fazia-se
Como erotógeno
A emanar o
Gozo trivial.

Este erotógeno: instrumento musical.

A melodia de Eros se ouve
Com peitos rítmicos,
Corações pulsando em
Veias dilatadas de sangue.

As bocas abertas esperam
O fluxo do oxigênio
Ser o fluxo de nossas consciências,
De seus espasmos.

Há corpos suspensos
Sobre todas as imagens líquidas
Que os abraçam!

Estes seres giravam tal qual
Um carrossel gigante
A desenhar uma flor.

Corpos sentem escoar
Os líquidos por um espaço infinito.
E suas cavidades abertas
Sorriem a esse espaço.

Jarra de embriaguez saciada
Jarra a derramar sensualidade
Já a ti amo jorrar!

Jorrar teu líquido,
Líquido espesso embriagado
Que contagia os corpos...

Rios viscosos
Do supra sumo prazer
Que a nossa pele encharca.

Vê nesses rios
Os mil olhos
Como setas
Da aljava de um deus.

Teus olhos ébrios,
Teus olhos ternos,
Tua boca aberta,
Teus lábios rubros.

Encarniçados da malícia vermelha.

Da volúpia de um deus,
Da infinitude da nossa satisfação
Em fragmentos.

(Paulo Roberto Ferreira)


voltar última atualização: 21/09/2008
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