A Garganta da Serpente

Pedro Moura

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Valsa

Caminho pelas escamas latentes da serpente emplumada
Saltando hipnótico no sentido contrário aos ponteiros do espaço
Sofregando a velocidade com o passar do tempo desconhecido
Pousando durante infinidades nas carapaças de cada tartaruga

Corro sobre a minha própria alma
Num desafio infindável em que desnovelo tudo o que sou
Não são necessários gatos brincalhões
Neste recreio onde vou largando as invenções erróneas dos espíritos humanos

E sucumbo sobre a armadilha do meu próprio sexo
Tatuando quadros de naturezas vivas
Pelas curvas impossíveis da pele estelar da mulher
Escondendo-me nas cavidades misteriosas
Dos monstros horríveis que me encarceram a infância perdida
Em alforges de viajantes que não deixam as estalagens fantasmas
Saqueando todos os bosques onde se ocultam as jóias
Dos prazeres lunares

Numa tentativa de redução cósmica da alma
Numa nuvem de pós do desejo interminável
Onde se ocultou o tesouro perdido da prisão que abomino?

Das corolas das flores cobertas de esperma
Libertam-se odores que atraem os inocentes bichos do mato
Carneiros de todas as cores sedentos de esperança
Numa lúbrica incapacidade de abrirem as bocas às promessas
Encerradas ferozmente no sentimento digital ensanguentado

Copas de árvores copuladas
Soltam espamos de dor nos braços do vento
Toldando o antigo sorriso das luas prateadas
Que amaldiçoa as mentiras que se despregam dos lábios queimados

Jactos de luz libertam-se dos dedos descarnados
Rasgando o frágil tecido das noites em branco
Compondo nas linhas amarelas dos candeeiros da cidade
As composições das mulheres dilaceradas pelos espelhos
Nunca os arqueares das bocas pareceram tão verdadeiros
Nunca as muralhas da fortaleza foram tão translúcidas

Súbito sente-se o que sempre se sentiu
E nenhuma novidade emerge do lento mar da angústia
Somente o universo em forma de ponto de interrogação
Observado pelo esgar pérfido do inexplicável demónio
Coroa a existência inquietante
De tiaras diamantinas e pérolas negras
Embelezando a própria essência do desconhecido

As portas escancaram-se vergonhosamente
Enfrentando os corpos com uma malícia mais antiga que o cosmos
O turbilhão da existência impregna de energia o olho arcano
Deixando a escolha
O medo
O prazer
Nas mãos do mais assustado dos seres


(Pedro Moura)


voltar última atualização: 28/08/2003
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