amantes
surgem por dentro das paredes
sombras perdidas de um pretérito que não foi
na neblina dos lençóis vermelhos
o cheiro a sexos insatisfeitos
lança gritos de labaredas pela noite fora
somos os vampiros do prazer
sugamos ansiosos a força dos corpos
e nadamos nus nos mares esquecidos da luxúria
batendo forte com as asas na espuma
da vida que jorra
e as sombras crescem a cada gesto
que uma mão branca faz na tela de pele
adensam-se ameaçadoras e injectam o medo
nas grossas veias das pálpebras fechadas
agudizando a visão do abismo diluviano
na exaustão deitamos a língua longe
em busca dos insectos que viajam
pela órbita da vela quase apagada
camaleões que mudam a cor da alma
ao pressentir a vinda de mais um orgasmo
fantasmas de gente ainda viva
desenham símbolos terrivelmente familiares
no orvalho condensado na lua da janela
e nós nos enlaçamos até ao sangue
e assim nos protegemos da memória assassina
corremos desesperados para dentro do nosso sexo
ternos e violentos amantes fugimos das sombras
da treva que preenche todas as cavernas e planícies
da chuva negra que nos gela o espírito
lá longe somos a única luz no universo
as estrelas fogem enfim ao azul tímido
e o púrpura da medusa da aurora queima os olhos
que vertem mares na cama encharcada de prazer
choramos o que não somos abraçados
desaparecemos com o cantar triste e amoroso da lua
nos nossos sonhos havemos de fazer amor outra vez
sabemo-lo
e havemos de acordar um dentro do outro
quando o crepúsculo vier
ou quando as sombras invadirem o sonho
e as lágrimas caírem sem que tu as vejas
(30 de Julho de 2002)
(Pedro Moura)
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