A luz do mundo
Abre-se a porta
cuidadosamente
na mesa, um prato só
restos de raviolli de ricota
- como era bela a cozinha -
na taça
um pouco de vinho
do Porto
Talheres frios
exatamente
separados
- como crianças
que tornaram-se adultas -
extremos
opostos
A poltrona reclinável
- que o vô adorava -
fora do lugar
retrato dos velhos pais
tombado no centro
da estrante preta
Sala intacta
estranhamente
muda
os cãezinhos não mais aparecem
- saudade -
as crianças cresceram
- Que terá sido feito com o belo tapete persa? -
A TV dessintonizada
o som, que tanto falava, não falava nada
agora nada
- Não, o quarto não
o quarto dos velhos é sagrado,
a não ser pra brincar com o Luciano,
um bichano que a mãe criava -
O jardim tem flores lindas
ainda tem
aves tem ainda
- a natureza insiste em apaziguar o homem.
Volta-se à casa
já não há mais nada
- engano -
há sim um grande vazio
muito maior que os limites
da casa amada
O vazio, vazio correndo
cada fresta preenchida pelo vazio
cada lágrima consumida pelo vazio
cada riso dispersado - docemente- pelo vazio
Tanto cuidado dos pais
tanto zelo e carinho dos avós
tanto amor com os queridos amigos
mas, pra que tantos tanto, meu Deus,
se esse pranto sofre sentindo
o canto mudo dos periquitos
na pequena varanda coberta?
Não há mais frio
o vazio é quente
frias são as imagens
as lembranças, a saudade
das crianças inocentes
que hoje não conseguem
sequer o direito à vida!
As crianças - por Deus
olhem pelas crianças!
quando não houver mais a inocência
e a esperança da criança, será o fim...
(...)
E quando a casa amada expulsa o homem
tranca-se a porta: o adulto fora
a criança vive feliz, na casa
e não há vida sem luz.
Coitados de nós.
(A. Permart)
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