O ÚLTIMO POEMA DE NÚMERO UM
Abrangida pela névoa que resvala o jazigo mádido,
Dormes, macilenta, em lúgubre reino de folhas secas.
Ganidos de cães sarnentos, piar de pássaros agourentos,
E eu - fadado ao decrépito estado de espírito -,
Clamo pela anistia; pelo júbilo sinistro da indulgência, que não
virá.
Melancólico réquiem absoluto: ironia de uma relação
pueril.
Lúdicas tardes no largo; cálidas noites sobre areia,
Rumorejo da brisa, placidez do infindável mar.
Reminiscências dos toques labiais - ruína da razão -,
Que faziam voar rente ao negro oceano, sob o fulgor do lívido luar;
Com a ferocidade do vento,
Que arranca lágrimas e induz ao açoite das roupas,
Até um gélido fremir de beiços.
Suavizando; afagando a película da água
Parando no centro do imenso vazio
Subindo; rumo ao império móvel dos nefelibatas
Recitando o último poema de número um,
Sem rima, sem forma; casto. Uma detonação de sentimentos...
E liquefaço-me em minha dolência, carente do vôo derradeiro.
(Renato de Oliveira)
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