A Garganta da Serpente

Roberto Pires Silveira

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lucidez

Quero com a natureza uma relação
de amor carnal.
Que ela me receba como uma mulher ansiosa,
tudo querendo e tudo oferecendo.
Quero a cor das flores como coisa palpável,
como um seio macio.
Que as borboletas pousem em meu ombro
como uma boca em minha boca.

Quero o vento puro no rosto, e o ar nos pulmões
como um beijo molhado de mulher.
Que a tempestade me colha e me açoite e me machuque
como se tivesse de mim ciúmes de amante.
Quero o cheiro do mato, áspero e pungente,
como a fragrância da moça no orgasmo.
Que todas as águas cubram o meu corpo
num amplexo apertado, de paixão.

Quero a fuga das multidões,
a morte dos automóveis,
o agonizar do burburinho
dos Shopping centers
estúpidos e comerciais,
no pior sentido da palavra.

Quero o emudecer de todos os ruídos humanos
até que o pseudo-silêncio do mato me preencha
com todas as suas vozes harmoniosas
para que eu as ouça quieto, mudo, respeitoso,
do mesmo respeito que se tem no único templo
onde deus/natural habita, nas grotas escondidas pelo mato.
Mas quero a queda dos templos confusos
construídos por homens fanáticos,
para que crentes fanáticos
possam louvar um fanático deus menor,
imagem dos homens que o criaram,
sedentos de poder, dinheiro e sangue.

Quero olhar nos olhos dos pássaros,
ouvir suas vozes
e descobrir o sentido da vida.
Pois estou farto de homens e suas políticas,
de suas guerras estúpidas,
de seus desejos rasteiros,
de suas ambições usurárias,
de suas competições fúteis,
suas convicções pétreas.

Quero apenas a solidão do verde,
o fluir das águas azuis,
um horizonte deserto para ver
e que a honestidade rude da natureza
encontre o meu lugar,
um lugar onde eu possa viver e morrer
em paz.

(março de 2003)


(Roberto Pires Silveira)


voltar última atualização: 10/07/2003
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