A Garganta da Serpente

Rubens Costa

  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

PÁSSARA

Ainda ovo, já queria voar,
Planar, mergulhar.

Ao romper da casca aceitou,
Inconformada, a ração ofertada.

Já não queria depender,
Ansiava, apenas, voar...

Ainda ao ninho, presa às palhas,
Espreitava, ansiosa, o horizonte.

Em um dia de sol,
De pouco vento, estufou o peito,
Colocou-se em posição,
E, sem olhar para o chão, voou.

Não olhou para trás...
Tinha pressa de chegar,
De fazer, de conquistar.

Enquanto voava, sonhava...

Sonhou um mundo justo e fraterno.
Sonhou amar e ser amada.

Querendo chegar, chegou.
Desejou e aprisionada, ficou!

Lutou!
Sem apreço,
Competindo,
A qualquer preço.

O sonho, então, aos poucos,
Foi sendo esquecido, preterido.

Quis romper o ciclo,
Voltar ao cheiro do ninho
E refazer o caminho.
Não pôde!
Havia perdido a direção do Norte.

E, assim, ficou...

Sob o prisma da gaiola,
Viveu, sobreviveu...

Chegou a sorrir,
Chegou a dormir.
Chegou a acreditar.

Precisava ser feliz,
Ainda que assim.

E, assim ficou...

O tempo passou.
Mas não passou
O sonho de voar,
Livre e sem destino.

Cansada de tanto lutar,
Um dia parou e silenciou
O desejo de conquistar.

Olhou para as grades,
Sem medo. Sem revolta.

Aos poucos, como que por encanto,
As grades foram sumindo,
Sumiiindo, sumiiinnnnndo...

Estava livre, pensou!
E, ao pensar,
Prisioneira, novamente, ficou.

Assustada e acuada,
Aquietou-se.

Aquietando-se, livre novamente ficou.
E, ficando, novamente sonhou.

Refez o trajeto...

O nascer, o calor do ninho.
O querer voar, o querer possuir,
O querer conquistar...

Conquistar?

Retornou à gaiola.
Agora estranha, difusa, translúcida.

Avistou uma porta, entreaberta.
Uma luz adentrava e convidava.

Instintivamente, abriu suas asas,
E, sem pensar, voou.

Apenas voou.
Subiu ao céu, desceu à terra.

Liberdade!

De poder ir.
De poder vir.

Exauriu-se no voar e,
Sob o cansaço, condicionada, à gaiola voltou.

A gaiola, então,
Já não mais existia e, no vazio,
Da sua mente, finalmente, entendeu.

Criara sua prisão,
Ao sonhar conquistar.

Então, sorriu...

Sem pensar,
Sem querer,
Sem pegar.

Então, sorriu...

Estava ausente,
Estava, presente.

Então, sorriu...

Já não era asa.
Já não era canto.
Já não era pássara.

Então, sorriu...

Voou para dentro,
Consciente do fora.

Voou para fora,
Consciente do dentro.

Então, sorriu...

(22/11/2003)

(Rubens Costa)


voltar última atualização: 08/04/2008
9903 visitas desde 08/04/2008
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente