A Garganta da Serpente

Samoel Bianeck

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A Montanha

I

Na frente o mar; dos lados vou nadar - sair e a montanha olhar.
Quero abraçar, alta o céu vai arranhar - a mim abençoar.
Lá vou chegar, montanha sei te amar - teu cume quero alcançar.
Com um véu te coroar, Cristo não mais crucificar - lá vou rezar.
Alguém acompanhar, ninguém desolar - e talvez desposar.

II

Fugir da maldição, ganhar saúde no coração - gritar para o irmão.
Na montanha tem o leão, o tigrão - lá no alto frutas e limão.
Me erguerei em ascensão, terei o céu na mão - para Eva serei Adão.
Com ela jogarei xadrez e gamão, esquecerei o pão - serei um bebesão.
Nasce no coração, amor uma boa aflição - não pare quero continuação.

III

Me cobri com seu manto, senti seu pranto - no entanto.
Não almoço mas janto, esqueci o desencanto - ficarei não sei até quando.
Para chegar esperei tanto, agora de manhã levanto - olho sem espanto.
Não mais tenho quebranto, rezei já sou santo, posso voar - até canto.
Repouso no recanto, aqui falo esperanto, árvores me entendem - é um encanto.

IV

Montanha faça jus, mostra tua verde luz - para o alto me conduz.
Tua força me induz, sonhos que produz - já não sou avestruz.
Fez leve minha cruz, não uso capuz; saro com ervas - há mentruz.
Subo a pé sem bus, não tenho status - até vivo com os jacus.
Oro a Jesus, no alto há uma luz - só o bem se traduz.

V

Montanha, você sempre me apanha - a fé é tamanha.
Sem artimanha, acolhe a pomba e a aranha - lá tem castanha.
Água pura é champanha, não se faz barganha - tudo é façanha.
Canto, ouço a Betanha, a garganta não aranha - nem a voz fica fanha.
Eu vou, alguém me acompanha? Ela vem e me ganha - meu braço apanha.

VI

Sempre jovem menina, dentro guarda uma mina, fora - muita adrenalina.
Tua cor ilumina, tem verde e albina - ser sábio me ensina.
Não tem dor nem angina, és nua sem batina - não usa gás ou benzina.
Parada é bailarina, sem sapato ou botina - não é santa nem cafetina.
Parece pequenina, mas é sábia e divina - tem uma lá na esquina..

VII

Inicia a jornada, lá em cima ela fica amedrontada - está paralisada.
No meus braços se vê abrigada, quieto, não digo nada - está gelada.
Tonta e assustada; mas olha apaixonada - se sente desarmada.
Presa fácil será atacada, parece machucada - vai ser desnudada.
Não quero mais nada, estás nua quase pelada - vai ser amada.

VIII

Sou o Maomé que vai, a faço tremer mas não cai - feliz grito "ái".
Outros gritam "uái", ela grita mas não sai - no Japão a gueixa e o samurai.
Filho onde vai? A procura de Adonai, peça por mim - pode ir que não cai.
Lá de cima gritai, ou como um pai - com voz suave falai.
Sobe num bonsai, assim você não cai, mas deste lugar - vê se sai.

IX

Teu solo é sagrado, lá Ele foi crucificado - mas não ficou calado.
Teu semblante abalado, deve ao alto ser lavado - bons ares respirado.
Lá não tem dor nem machucado, ninguém é magoado - o espírito é elevado.
Vai; seja abusado, só ou acompanhado, não seja Maomé - nem enjoado.
Não fique parado, te cuidada no cerrado, nem sempre - abra o cadeado.

X

Subir é lendário, suave calvário - lá terás o imaginário.
É um grande cenário, onde tudo é voluntário - nada arbitrário.
Saia do armário, você é o beneficiário - libere o peixe do aquário.
Pobre ou bilionário, esqueça o calendário - ou o crediário.
Ele não vai; deixe o otário; o livro, o dicionário, a escola - e o secundário.

XI

Tem perfume de flor; muito gosto e sabor - lá nasce o amor.
Ele é seu admirador, ela só quer amor, respirem - não tem filmador.
Seja na terra nadador, a seus pés um orador, escute - só faça amor.
De paquerador vira professor, o surdo ouvidor - adeus falso pudor.
O retrógrado vira inovador, o desiludido sonhador - o fraco tem vigor.

XII

Vem cá, traga um parente, aqui não é frio nem quente - só passe um pente.
É verdade, há quem não agüente, K2 não é para gente - mas não invente.
Do sofá levante, tome coragem e vai avante - da altura não se espante.
São amigos, ratos e elefantes, tem mais velho e infantes - nada é oxidante.
Pega um barbante, coloca um pisante - esqueça tudo dantes.

XIII

Esqueço a monotonia, trago uma companhia - na rede vivo uma poesia.
Tenho tudo que queria, fugi do que é fria - abandono quem me angustia.
O som não tem cacofonia, foi embora a azia - tirei uma radiografia.
Muito de bom não conhecia, agora estudei geologia - sem querer teologia.
Antes, todo dia, acho que um pouco morria - por muito pouco sofria.

XIV

Da montanha vejo o sul e o norte, não se pensa na morte - me sinto muito forte.
Toda hora é um esporte, nada que muito importe - acho que tive muita sorte.
Às vezes recebo um reporte, vem de aerotransporte - pede palavras que conforte.
Pode vir não quero passaporte, não carrego faca de corte - tenho um braço de porte.
Montanhismo é esporte, escalar é pra forte - difícil é o vento do norte.

XV

Sou lobo da montanha, só uma loba me ganha - um poeta da montanha.
Segui a sermão da montanha, fugi da maldição da montanha
- e senti a tentação da montanha.
Como lasanha, às vezes piranha - só quando me assanha.
Ganhei muita manha, agora picanha - só sem banha.
Tua imagem a terra banha, a sombra te apanha - vem pra montanha.
Esta é a manha; passar 40 dias e 40 noites no alto da montanha e...
- aceitar a tentação da montanha.


(Samoel Bianeck)


voltar última atualização: 07/05/2007
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