A Garganta da Serpente

Sandra Vaz de Faria

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A Vida Que Me Escorre Das Mãos

A vida que me escorre das mãos
é a mesma que me diz bom-dia
diante do espelho,
eu, meu anjo conselheiro,
eu, meu anjo vingador
a destituir do trono a majestade
que reinava no mundo fantasioso
de salvadores do mundo
a tirar as dores do mundo
imundo, profundo,
bem fundo.
No mundo da Maria medieval, clássica,
tosca, mundana,
a tocar harpa e a rir,
a tocar banjo e a pensar no porvir.

A vida que me escorre das mãos
é a mesma que me salva do precipício,
é a mesma que oferece diversão e oferta o risco
de uma queda vertiginosa no abismo,
da fuga insensata de qualquer ismo.
Da busca imensa da personagem transmutada
em cores lilazes, vivazes, vorazes
de ser intensa na tradução
do tapa e do beijo na contramão.
No mundo da Maria, cria-provedora do lar,
cria do século vinte e um,
que se faz de pilar e arco,
que se acha remo no mar,
que se vê madeira de barco.

A vida que me escorre das mãos
é a mesma que me inunda o peito
e me deixa sem jeito,
e vivifica palavras em folhas do meu jardim,
e cobre caras que esfriaram em ventanias sem fim,
e seca a água das roupas penduradas no varal.
No mundo da Maria que lava roupa todo dia,
buscando a clareza que a cândida provoca
buscando a melhora que a oração bem rezada evoca...

A vida que me escorre das mãos
é a mesma que prossegue sem dar explicação,
é a mesma que turva a visão,
é a mesma que delicadamente provoca confusão,
que implica um sim e implora um não,
é a mesma que me tira da direção
e lapida na minha'alma o perdão.


(Sandra Vaz de Faria)


voltar última atualização: 06/11/2008
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