Perdidos & Achados
Abram-se as janelas,
aqueles canários fugidos da gaiola
podem voltar.
Rebaixem a porta,
aplainem o batente,
removam-se os obstáculos,
que aquele gato, de nome Banduco,
preto,
rabo de neve,
também preta,
patas macias, brancas, e um ronronar suave
que um dia fugiu,
deve voltar.
E se alguém perguntar por mim,
eu não fugi;
se tiver saído, foi só um pouquinho,
jájázinho estou de volta;
mande sentar,
sirva uma água fresca,
a hospitalidade,
receba,
receba bem, mestre Antônio.
Sim, mestre Antônio,
ela também!
Se for calor, sirva-lhe um sorvete
de maracujá;
se for frio, um chocolate
quente;
mas especial
atenção
dê aos canários,
ao gato Banduco;
procuro também um pião de soltar
que me fugiu no ar,
ia-me esquecendo.
Pergunto-lhe por uma arraia
que se despregou do barbante,
e se levou
ao vento.
Indago por um cinturão de celulóide,
corzinha creme,
que servia de brincar
de enrolar-e-rolar,
nos regos da rede
nos dias
de febre.
Também indago sobre uma caixa de besouros,
que depois lhe conto;
e sobre uma sovela que eu mesmo fiz,
de aço,
para furar pau-de-malungu,
gaiolas.
Ando louco,
mestre Antônio,
verdade mesmo,
é por
um par-de-olhos,
amarelos
e furta-cores
furtavam
conforme o
tempo
onde me perdi
e furtei
e guardei
que onde não
sei...
e procuro
e procuro
que procuro
desde.
Mestre Antônio, por favor,
revire tudo,
todos estes troços que têm grande valor
só para mim porém,
e que nada valem,
assim me disse um dono de ferro-velho,
que emoções não se compram.
Revire-os,
desencave,
quem sabe debaixo destes livros,
sob grossa poeira
destes trastes todos,
saltem,
mola do tempo,
dois olhos
perdidos,
[...]
achados
e a noite cinza.
Acho qu'estão por aí debaixo,
mestre Antônio.
Revire.
Vou dar uma volta,
e no retorno,
me dê notícias do que achou,
de quem voltou,
se alguém ligou.
Anote.
(Salvador, noite leve, 29.07.1997)
(Soares Feitosa)
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