viagem a nenhuma parte
é meia-noite ao sol.
é tempo de acabar com a hora,
é tempo de partir.
que vazio. que feroz é o suor dos dias.
o cio e a culpa.
dói-me o corpo psicológico.
não pára de transpirar.
quero desfazer-me em nuvens
com um bisturi pontiagudo,
arredondar as formas
mais tristes,
triturar a fome e o pensamento.
é veneno da noite em pleno dia,
é auto-flagelação.
quero suicidar-me por umas horas.
suponho que não estou aqui
e penso neste lugar em que já estive
e naquele em que estaria.
regresso então à noitinha
quando a lua der meio-dia.
toca o sino. é tempo de acabar com a hora,
é tempo de partir.
onde está a outra de mim
e que de mim não partiu nem voltou?
continua aqui no mesmo lugar
a enterrar-me no chão suado do mesmo dia.
(Sónia Bettencourt)
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