A Garganta da Serpente

Stéphen Dédalus

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Versos Perversos III

Morro todos os dias e dou graças ateu. Adeus. Despeço-me, despacho-me, disperso-me em átomos de carbono e moléculas de ferro e cálcio. Calcifico-me, eternizo-me na diluição inorgânica, agâmica, anêmica, epidêmica, endêmica, edênica, helênica, adâmica, dinâmica, estética, estática, idílica, de minha essência monolítica. Meu rosto esculpido em ídolos de pedras, guardiões de uma raça esquecida, perdida, consumida no mar perpétuo das revoluções. A vida se esvai com a força granítica que o grave, a gravidez, a gravidade traz. A morte, a solidão, o esquecimento. Tudo se desfez, tudo se desfaz, tudo se refez, tudo se refaz. Desço a montanha, broto das entranhas e me entranho, me estranho cada vez mais. Corro para o mar sem fim, revoltoso, netúnico, Ulisses longe do cais. Um mar sem lógica, primitivo, primata, profundo, afundando em si, um mar que nunca foi mar, que nunca foi rio, que nunca foi fio, que nunca foi cio, brotou do vazio e morreu em paz. A paz mórbida da indiferença, do desprezo, do esquecimento, do aniquilamento, a paz derradeira, acolhe a parteira, abre as porteiras para os punhais. Descem as gotas serenas, cantilenas, rosas gangrenas multicor, arco-íris de hemácias, cordilheiras de torpor.


(Stéphen Dédalus)


voltar última atualização: 09/06/2002
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