VATAPÁ
ainda bem cedo levantei e cuidei de mim
demolhei o pão de ontem
no leite do coco espremido
com o sol ainda fresco
fui ao marcado vila
antiga beira mar
antes disso passei no cais
escolhi o mais fresco
a prata dos peixes de guelras sangrentas
escarlate
- a garoupa da preferência
(mercado que há de tudo, inclusive confecções)
para a minha empresa
só comprei pimentos
coentros amendoim caju e limões
e um punhado de camarões secos
pilado com amendoim torrado
em casa
amanhei o peixe às postas
temperei
tomate pimento
alho coentro
tudo muito bem pisado
com sumo de limão galego
a cabeça temperada
foi ao lume
e um quase nada
de água
até soltar um caldo um perfume
coado
o caldo
reincorporando as lascas
cuidadosamente
sem peles nem espinhas
outro lume
outro tacho
refogados em dendê
cebola picada
com gengibre ralado
o caju bem socado
com amendoins
e a pimenta malagueta
o pão agora é espremido
passado para o tacho
deito o caldo
mexo mexo mexo mexo mexo
sempre para o mesmo lado
até soltar do tacho
mexo mexo mexo
deito o leite de coco
branquíssimo
para ficar aveludado
o repasto
e um generoso fio de azeite
dendê puro e dourado
olho o tacho
sorrio contente
sirvo o acepipe com acaçá
comida consagrada
a um deus iorubá
muito chique
muito simples
não leva sal nem açúcar
só canjica branca
e água pura
água de oxalá
mas quem quiser fazer acaçá
tem que começar de antevéspera
que é para o milho fermentar
na água que não se troca
e só no dia da festa
leve ao lume e mexa
até desprender da panela
enforme
conforme o gosto
arrefeça e desenforme
está pronto
os comensais esperam lá fora
o auge do banquete baiano
um prato dourado
brasileiro
luso africano.
(zelim@)
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