Chovia, e ele estava atrasado. Atravessou veloz a Raimundo Correia, escorregou,
caiu sujou-se e esfolou o braço mas nada o impediria de ainda tentar
a sessão das seis, na primeira vez em que conseguiria ficar a sós
com Milana, ainda que no cinema. Vê, do outro lado da rua, esbaforido,
a imagem da qual jamais se esqueceria. A porta do cinema ficara vazia. Lotado,
ninguém mais entrava após a sessão começada. Não
cabia. Milana, esguia, os belos cabelos ondulados e compridos soltos sobre o
ombro, a roupa discreta (pudor que sempre teve), e escondia - e por isso mesmo
revelava - seu belo corpo, sozinha, entre a marquise e a rua, debaixo da pequena
sombrinha a esperá-lo. Chuvada!
Não acreditou. Havia pensado em tudo até chegar lá: que
ela desistira de esperar; que nem veio ao encontro; que a mãe não
a deixara sair sozinha, que a tormenta (a essa altura era um temporal daqueles
de encher ruas); que a rigor não se interessava por ele, que era mais
feio e o único que possuía era um caderno de versos no qual Milana
disse haver talento, contrariando o parecer de um colega muito culto que lhe
fizera duras críticas, daquelas desanimadoras.
Lá estava, respingada de chuva, assustada por estar só na rua
àquela hora. Chega ele com pedidos de desculpa, o coração
galopante, a dizer que o trânsito etc. Empapado de chuva da cabeça
aos pés. Milana não devolveu qualquer palavra de reclamação,
sentiu-se aliviada com a chegada, embora assustada com a proporção
da chuva que já enchia a Avenida Copacabana. Ficaram naquela indecisão
do coração aos pulos sem saber o que dizer até que num
lance do qual jamais se julgaria capaz não fosse a emoção,
segurou com decisão e vigor a mão dela que estava livre da sombrinha.
Os dois calados, quase colados, sem saber o que dizer, viveram quinze minutos
de só silêncio. Milana repousou a cabeça no ombro dele e
sempre em silêncio os dois viram a chuva aumentar, a água a subir
a calçada, os pés encharcados, ela sem saber o que diria em casa
e ambos a ignorar como retornar. Então começam a rir e a rir sem
parar. Rir de tudo: do que não foi falado, dele empapado, da descoberta
do amor possível, de não saberem o que fazer e de se manterem
calados, apenas mão na mão e um riso saboroso, desses que só
surgem em momentos de amor, a fazer alegria do que parecia ser um problemão.
Depois, por motivos vários, o namoro não prosperou mas ambos até
a morte se lembravam daquele dia. Separados no tempo e no espaço, um
nunca soube que o outro jamais esqueceu a cena.
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