Um dos principais problemas da nossa sociedade é que , nos dias atuais
, você precisa ser alguém mesmo depois de morto .
Já notou que nos obituários dos jornais , o nome do falecido sempre
vem acompanhado da sua última profissão , como se ele ainda estivesse
vivo ?
Será que neste mundo ser alguma coisa é mais importante do que
sentir algo ?
Dias atrás , uma senhora amiga minha , teve um filho que morreu atropelado
. Porém , ela ficou indignada ao ver que na imprensa , na seção
de obituário , o nome do seu parente falecido veio acompanhado da palavra
indigente . Tal referência causou revolta porque o rapaz era formado em
faculdade , mas por causa de problemas com dependência química
virou morador de rua . Mesmo assim ele não era um indigente , pois tinha
família . Sem falar que classificar um falecido como indigente é
uma falta de consideração com o morto e seus familiares .
Por que em vez de colocar isto , o editor não deixou a profissão
da pessoa em branco ?
A mãe do rapaz procurou o responsável e ele disse que a colocação
da atividade do sujeito , em vida , era obrigatória para a publicação
. Tal exigência é um absurdo e isto obriga até que os mortos
sejam "alguém" mesmo depois de desencarnados .
Após este episódio , liguei a televisão e assisti ao comercial
da Coca - Cola , onde um estudante disse :
- Meu pai dirige um caminhão da Coca - Cola ...
Logo lembrei - me que o texto original de tal propaganda fez sucesso no início
dos anos setenta . Então minha mente foi até ao ano de 1996 ,
numa aula da matéria chamada Linguagem da Propaganda , onde o professor
falou :
- Teve um comercial da Coca - Cola inesquecível porque foi baseado numa
redação de um estudante carente , que era bolsista de uma escola
particular . Tudo aconteceu na época do Dia dos Pais e a professora pediu
para que as crianças escrevessem redações sobre as profissões
deles . Então apareceram textos sobre : médicos , advogados ,
dentistas e engenheiros . Apenas o garoto bolsista tinha um pai com uma profissão
modesta : caminhoneiro . Porém a redação premiada pela
professora foi a deste menino e a frase que mais marcou a mestra foi esta :
- Meu pai dirige um caminhão ...
- Mas não é qualquer caminhão ...
- É um caminhão da Coca - Cola !
O texto desta criança fez tanto sucesso que virou comercial do refrigerante
nos anos setenta e voltou a ser regravado agora , em pleno século vinte
e um .
Os editores responsáveis pela publicação de óbito
dos falecidos , das suas regiões , deveriam agir igual a esta professora
. Afinal um ser humano desencarnado não deve ser visto pela profissão
que tinha em vida , mas como alguém com sentimentos que não se
resume em apenas a um emprego .